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Histórias da Cidade: as marcas deixadas por Ricardo Jorge na saúde municipal

  • Paulo Alexandre Neves

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Na recente apresentação do Plano Municipal de Saúde, o seu coordenador recordou que foram precisos 125 anos para que a Câmara Municipal do Porto voltasse a chamar a Universidade "para ajudar a pensar a saúde na cidade". O presidente do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, Henrique Barros, falava do "Anuário do Serviço Municipal de Saúde e Higiene da Cidade do Porto", da autoria de Ricardo Jorge, escrito em 1898.

A ligação do médico, investigador e higienista, professor de Medicina e introdutor em Portugal das modernas técnicas e conceitos de saúde pública, ao Município do Porto dá-se após uma discussão - uma constante na sociedade portuense – sobre a instalação de cemitérios na cidade. Ricardo Jorge refutou as autoridades, que defendiam que aqueles locais provocavam a inquinação do ar, do solo ou da água, colocando em perigo a saúde pública.

Para tanto, promoveu, em 1884, quatro conferências: A Higiene em Portugal, A Evolução das Sepulturas, Inumação e Cemitérios e Cremação. Foi tal o êxito – publicadas em livro, intitulado "A Higiene Social Aplicada à Nação Portuguesa" – que a Câmara do Porto convidou Ricardo Jorge para integrar uma comissão de estudo das condições sanitárias na cidade, ficando encarregue de produzir um inquérito sobre as condições de salubridade urbana e o relatório final (O Saneamento do Porto), apresentado em 1888.

Novo convite viria a surgir em finais de 1892. "Foi instaurado o Serviço Municipal de Saúde e Higiene do Porto, o qual se organizou definitivamente entre 1893-1895, já no mandato de António Ribeiro da Costa e Almeida [n.r: presidente da Câmara Municipal do Porto entre 2 de janeiro de 1893 e 7 de janeiro de 1896], no âmbito do qual Ricardo Jorge prestou grandes serviços à cidade", pode ler-se no livro "Os Presidentes da Câmara Municipal do Porto (1822-2013)", sob coordenação de Fernando de Sousa e editado pelo CEPESE-Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade.

Contra o cordão sanitário durante a peste bubónica

Ricardo Jorge viria a dirigir aqueles serviços, bem como o Laboratório Municipal de Bacteriologia. Foi neste âmbito que publicou a série do respetivo Anuário e um Boletim Mensal de Estatística Sanitária do Porto, fazendo deste ilustre médico e investigador portuense o introdutor da moderna estatística demográfica em Portugal.

Seguir-se-ia nova publicação, em 1899, sobre "Demografia e Higiene da Cidade do Porto", obra onde aliou o estudo das origens do Porto com dados estatísticos. Ainda hoje é uma obra de referência para todos quantos estudam a história da cidade. Mas esse ano ficaria marcado, sobretudo, pela peste bubónica, por ele diagnosticada e noticiada às autoridades competentes. No relatório de sua autoria - A Peste Bubónica no Porto - deu conta da descoberta da epidemia e das primeiras medidas profiláticas.

"O Governo deu conhecimento da terrível epidemia aos embaixadores creditados em Portugal e instalou um cordão sanitário em volta da cidade do Porto, apesar de Ricardo Jorge, ilustre médico e bacteriologista, mesmo não tendo dúvidas quanto à existência da peste, considerar o cordão sanitário um sistema absurdo e nocivo" ("Os Presidentes da Câmara Municipal do Porto (1822-2013)").

Nem todos perceberam as medidas profiláticas que enunciou para a erradicação da peste. Despoletaram a ira da população. Esta reação violenta levou Ricardo Jorge a abandonar a cidade. Viria a falecer em Lisboa, em julho de 1939.