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Histórias da cidade: “amplo, claro, confortável, moderno”, o Rivoli era inaugurado há 90 anos

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Filipa Brito

Em 90 anos foram muitos os protagonistas a pisar o palco do Teatro Rivoli. Muitos espetáculos, muitas histórias, numa relação duradoura com a cidade, que se faz de episódios memoráveis – uns concretos e outros que pertencem ao domínio da fantasia, como Gandhi ter ali estado em greve de fome.

Como assim?! O icónico líder indiano Mahatma Gandhi em greve de fome no Porto, e logo à porta do Rivoli? Não se trata de um segredo histórico guardado até hoje, porque simplesmente não aconteceu: o episódio saiu da imaginação do ilustrador e publicitário portuense António Cruz Caldas, num desenho humorístico publicado no semanário Pirolito, em 1932, e que pode ser consultado no Arquivo Municipal do Porto.

“Se Gandhi já começou a comer, eu estarei em jejum até que o Rivoli abra”, lia-se a acompanhar a ilustração, num apontamento da expectativa que a remodelação e adaptação do anteriormente conhecido como Teatro Nacional gerava então na cidade. O protesto do icónico líder indiano, que se encontrava detido por desobediência civil, decorreu em setembro de 1932 e foi motivado pela decisão do governo britânico separar o sistema eleitoral da Índia por castas. A greve de fome terminaria com a reversão dessa medida.

O Pirolito, jornal de humor e caricatura, já tinha dedicado alguma atenção à nova vida do Rivoli na edição de 2 de janeiro de 1932: “Abertura do novo teatro. Dentro de poucos dias será inaugurado este novo teatro, que o nosso tio Pires Fernandes fez ressurgir das cinzas do extinto Nacional”, lia-se.

O “tio” aludido é o impulsionador da refundação do Rivoli, Manuel José Pires Fernandes, que legou o espaço cultural à cidade. A sua filha, Maria de Assunção Fernandes Borges, assumiria o Rivoli como um projeto pessoal após a morte do pai, dirigindo o teatro durante mais de duas décadas. Dotando-o de uma programação pujante, da ópera às variedades e ao cinema, mas sobretudo na música, é também a ela que se deve o friso em baixo-relevo, da autoria do escultor Henrique Moreira, que ainda se pode ver no topo da fachada. Maria de Assunção Fernandes Borges tornar-se-ia, em 1948, a primeira mulher distinguida com uma medalha municipal.

Voltando à reabertura do Rivoli – cuja programação dedicada ao 90.º aniversário termina neste domingo –, a ocasião teve eco nacional. “A estreia, no dia 20, no Rivoli do Porto, da companhia Amélia Rey Colaço-Robles Monteiro, efetua-se com a comédia de Marcelino Mesquita, Peraltas e Sécias”, antecipava o Diário de Lisboa na edição de 14 de janeiro de 1932.

Uma “nova fase”, a do teatro musicado

O renovado Rivoli trouxe um dinamismo distinto à vida cultural da cidade, incluindo novidades como o teatro musicado. No final de fevereiro de 1932, O Comércio do Porto assinalava a entrada nessa “nova fase”: “O Rivoli – o nosso novo e belo teatro, amplo, claro, confortável, moderno – acaba de entrar numa nova fase, a do teatro musicado – para a qual esta grandiosa casa de espetáculos tem excelentes e excecionais condições”, lia-se na edição de 28 de fevereiro.

“Esta nova fase teatral – que se iniciou anteontem auspiciosa e brilhantissimamente, com a estreia da revista Ai-Ló! – é feita sob a égide dos importantes empresários Pires Fernandes e José Loureiro. Com a colaboração, em conjunto, destes dois ativos empresários, o Rivoli terá, certamente, uma carreira magnífica”, acrescentava o texto, notando que “apesar da grande lotação do teatro, o Rivoli registou uma bela enchente e a peça decorreu num ambiente de manifesto agrado.”

“Com esta revista é que se pôde avaliar a maneira excelente como está construído o palco do Rivoli, pelo que merece ser citado o maquinista-construtor Álvaro Lamego, deste teatro”, assinalava ainda O Comércio do Porto, salientando a “interessante novidade” que foi “a colocação de uma orquestra jazz-band no grande hall do teatro, onde se faz ouvir antes, durante os intervalos e depois do espetáculo, só parando de tocar quando o teatro está completamente vazio.”

Decorreram 90 anos, repletos de espetáculos, música e episódios memoráveis. Só Mahatma Gandhi não passou por lá.