Sociedade

Histórias da cidade: Ainda (e sempre) pedaços de história do Mercado do Bolhão

  • Paulo Alexandre Neves

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Em recente entrevista ao Porto., o arquiteto responsável pela recuperação do Bolhão, Nuno Valentim, realçou a existência de um artigo científico, da autoria David Ferreira (doutorado em História de Arte e colaborador da Direção Regional de Cultura do Norte [DRCN]), dedicado ao mercado – “Subsídios para a história do Mercado do Bolhão”, publicado na revista População e Sociedade (19.º volume), do Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade (CEPESE). Uma revista destinada a publicar a produção científica dos investigadores do CEPESE e de investigadores externos. As edições são de natureza temática, contando, no entanto, com uma secção "Varia", onde o artigo foi publicado, em 2011.

“Andamos muito tempo a pensar como é que poderíamos dar a conhecer, a quem visite o Bolhão, o [terceiro] criptopórtico, de um viaduto que existia na Rua de Sá de Bandeira. História que se pode ler, num artigo científico notável, do Dr. David Ferreira, dedicado ao Bolhão. No fundo, o criptopórtico leva-nos para a Praça do Bolhão que antecedeu a existência do edifício. Remete-nos para 1837-40, altura em que foi feita a praça, o viaduto e os criptopórticos. Hoje, podemos voltar a mostrar um deles. Deixamos uma grande janela no local para que o possam ver”, afirmou, na entrevista, Nuno Valentim.

“Conhecer o monumento antes de tomar decisões” foi um dos propósitos assinalados, na nota prévia do artigo, por David Ferreira. “A investigação que conduzimos incidiu, sobretudo, no período entre a construção do novo mercado e os nossos dias”, sublinha o autor. O Mercado do Bolhão reabriu, dia 15 de setembro, com a alma de sempre. Mas a sua construção obedeceu, na opinião do colaborador da DRCN, a “dois grandes movimentos”: “o movimento de expansão e ordenamento urbanístico que a cidade conheceu a partir da segunda metade do século XVIII (….); por outro, o processo de regulamentação e organização urbana dos espaços de venda públicos do Porto, que tem um grande impulso a partir do Liberalismo”.

É entre lameiros muito alagados, “atravessados por um ribeiro que naquela zona formava um ‘bolhão de água’”, que se idealiza a construção do mercado. O primeiro projeto data de 1837, da autoria do arquiteto Joaquim da Costa Lima Júnior: uma praça retangular, dividida internamente em quatro quarteiros delimitados por árvores com uma escadaria a Norte de ligação à Rua Fernandes Tomás. O mercado começa a funcionar em 1839, com as obras a prolongarem-se por alguns anos e com sucessivos melhoramentos.

A construção de um novo mercado

David Ferreira afiança que “o melhoramento do Mercado do Bolhão é, a partir de 1890, um assunto permanentemente ‘em cima da mesa’”. Xavier Esteves (presidente da Câmara, entre 1911 e 1913) e Elísio de Melo (vereador da primeira Câmara eleita após a implantação da República) serão, nesta altura, os protagonistas de uma transformação radical do mercado: de aberto para fechado e à atual configuração do edifício.

Xavier Esteves lutou pela construção do novo mercado, ao mesmo tempo que se debatia na cidade o novo traçado da Rua de Sá da Bandeira, projeto que terá grande impacto no desenvolvimento do Bolhão.

“Em 1908, a Câmara parece ter já decidido ligar directamente Sá da Bandeira a Fernandes Tomás de acordo com traçado atual. De modo a vencer a diferença de cota, é proposta a construção de uma arcaria no troço final, onde assentará o pavimento da nova rua. Trata-se de um criptopórtico composto por quatro abóbadas em arco abatido, apoiadas em maciços de alvenaria. Estas abóbadas permitem dispensar uma obra de aterro, que à época seria muito custosa de realizar pelos encargos que implicaria o transporte e compactação das terras”, descreve David Ferreira.

Um dos criptopórticos foi, agora, recuperado no projeto de Nuno Valentim, tendo os visitantes do Bolhão possibilidade de o ver, para além da recuperação de outros símbolos marcantes do mercado.

Entretanto, Elísio de Melo apresenta em abril de 1914 o projeto e orçamento do novo Mercado do Bolhão, da autoria do arquiteto António Correia da Silva, que contou com a colaboração de Carlos Barbosa, e que previa, por exemplo, uma cobertura em ferro e vidro sobre o espaço central, obra que nunca seria executada. Optou-se, em 1924, um ano após a conclusão das obras do Mercado, uma cobertura para a galeria interior, com intuito de compensar a ausência de uma cobertura integral e permitir a ocupação das galerias com pontos de venda. Outra curiosidade: em 1939, os portões do mercado eram ainda em madeira.

“Não obstante, o Mercado do Bolhão cumpriu a sua função durante quase noventa anos e tornou-se uma referência fundamental na vida da cidade. É um dos mais importantes espaços comerciais do Porto e um edifício emblemático. Suporte de memória para várias gerações de frequentadores, lugar de encontro e congregação social, palco político, é um sítio onde se pode sentir o pulsar da cidade e que, de certo modo, a representa. Foi por isso objeto de patrimonialização informal por parte da população, que nutre por ele evidentes sentimentos de afeto e proteção”, conclui David Ferreira.