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Histórias da cidade: Agustina Bessa-Luís, a escritora insubmissa que amava o Porto

  • Paulo Alexandre Neves

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Chegou esta semana às salas de cinema "A Sibila", filme de Eduardo Brito, produzido com o apoio do Município do Porto e que teve antestreia, no ano passado, no Batalha Centro de Cinema. Quase 70 anos após a sua primeira edição (1954), um dos maiores romances portugueses do século XX permite (re)descobrir a sua autora, Agustina Bessa-Luís (1922-2019), cujas comemorações sobre os 100 anos do seu nascimento decorreram ao longo do ano, com várias iniciativas, destacando-se o ciclo "Leitores de Agustina", promovido pelas Bibliotecas Municipais do Porto.

Já muito se disse e escreveu sobre Agustina Bessa-Luís, nascida em Vila Meã (Amarante). Para alguns controversa, para outros irónica, não se escusava de dizer o que pensava. Nas muitas entrevistas que deu ao longo da vida ou nos documentários centrados na sua pessoa e obra, falava, sobretudo, sobre livros, mas também sobre a vida.

Por exemplo, no documentário "Agustina Bessa-Luís – Nasci Adulta e Morrerei Criança" (RTP, 2005, realização de António José de Almeida), a própria revelava: "Sou uma pessoa alegre. É um temperamento, de pura gratidão com a vida e com tudo o que me rodeia". Ao longo de 55 minutos fala sobre a sua infância, as memórias da casa em Travanca (Amarante), do Douro, da Póvoa de Varzim. E também sobre o Porto, para onde voltou aos 19 anos. "Tive sempre [pelo Porto] uma certa fascinação", confessou.

"A minha relação com o Porto foi um casamento por conveniência que se transformou em amor à primeira vista" é uma das célebres declarações da escritora sobre a Invicta, cujas referências estão presentes em todas as suas obras.

"Os meus livros são mais reais que a realidade engarrafada"

Veio viver para o Porto, definitivamente, nos anos 60 do século passado. Chegou a ser diretora do extinto "O Primeiro de Janeiro", gracejando que foi "o mesmo jornal que proibiu que o meu nome fosse pronunciado. Que prazer que eu tive de ser diretora do jornal onde tinha sido proibida…". Para além do jornal chegou a ser diretora do Teatro Nacional D. Maria II e fez parte da Alta Autoridade para a Comunicação Social.

Publicou o seu primeiro livro, "Mundo Fechado", em 1948, mas foi com "A Sibila" que atingiu o apogeu da sua carreira. Manteve salutares polémicas com Teixeira de Pascoaes, Miguel Torga e o realizador Manoel de Oliveira. "Como numa família com muitos filhos há um [livro] que é preferido e é 'Um Inverno Frio' [conto]", confessou no mesmo documentário.

Garantia, então, que os seus livros "são mais reais do que essa realidade engarrafada que nos é transmitida". "São como a Via Appia, procuro neles o local da partida". Para Augustina Bessa-Luís, o processo de escrita era "um ato quase científico". "Preciso de conhecer, saber, preciso de explicar", sublinhava.

Uma tília com o seu nome nos jardins do Palácio de Cristal

Manteve sempre um ritmo de publicação constante, contando com mais de meia centena de obras publicadas, entre romances, contos, teatro, biografias, crónicas de viagem, ensaios e livros infantis. Vários dos seus romances foram adaptados ao cinema pelo realizador Manoel de Oliveira, de quem era amiga. É o caso de "Vale Abraão", por exemplo, ou "O Princípio da Incerteza - Jóia de Família", exibido no Festival de Cannes. E, agora, "A Sibila", de Eduardo Brito.

Agustina Bessa-Luís teve, ao longo da vida, importantes participações e condecorações. Foi membro da Academie Européenne des Sciences, des Arts et des Lettres e da Academia Brasileira de Letras. Foi distinguida com a Ordem de Sant'Iago de Espada, o grau de Officier de l'Ordre des Arts et des Lettres do governo francês e recebeu, em 2004, o Prémio Vergílio Ferreira e o Prémio Camões, o mais alto galardão da literatura em língua portuguesa.

Medalha de Honra da Cidade do Porto (31 de maio de 1988), atribuída pelo então presidente da Câmara, Fernando Cabral, foi também homenageada, em 2015, na Feira do Livro, através da atribuição de uma tília da Avenida das Tílias.

É desta escritora, que dizia que "custa tanto escrever um bom livro como um mau livro…", que ficou para sempre uma das frases mais belas sobre o Porto e que se tonou viral, também nas redes sociais: "O Porto não é lugar. É um sentimento".