Sociedade

Histórias da cidade: a paixão de Miguel e Filipa pelo fabrico de violinos e arcos para instrumentos de corda

  • Paulo Alexandre Neves

  • Notícia

    Notícia

Esta é uma história feita de sons e muita paixão pela arte de fabricar instrumentos de corda. São protagonistas Miguel Mateus, um dos poucos luthier [n.r: termo de origem francesa significa profissional especializado na fabricação, ajustes e conserto de instrumentos musicais] do país, e Filipa Mateus, archetier [artesã especializada na fabricação e reparação de arcos para instrumentos de cordas friccionadas]. "Um não vive sem o outro", confessam.

O casal dedica-se, completamente, à sua oficina, espaço que criaram na cidade [na Rua da Torrinha, 228], vai para mais de duas décadas. Já se tornou conhecida no país e além-fronteiras, muito à custa das redes sociais e do "passa-a-palavra". Aqui, o mundo é feito de sons, cordas, "alma" e muitas histórias.

Estas últimas começam bem lá atrás, na árvore genealógica do casal. O trisavô de Filipa, Agostinho Pereira, foi construtor de violinos na antiga Casa Duarte, na Sé. "Somos filhos, netos, bisnetos, de gentes da Ribeira, Sé e Miragaia", diz Miguel. O seu tetravô fazia parte da Guarda Real e tocava violoncelo.

gco_oficina_violinos_luthier_archetier_2024_22.jpg

“É aqui que nasce o melhor som do Porto”

A paixão do luthier por este tipo de instrumentos nasceu quando tinha apenas sete anos. Recebeu de um amigo de seu pai, chamado Philip Spitzer, uma oferta inesperada. Porque o ajudara durante a Guerra do Ultramar, Spitzer decidira recompensar Mateus (pai), dando a possibilidade ao seu filho que escolhesse o que quisesse. "Numa sala cheia de peças de arte, eu agarrei-me ao violino", conta o artesão.

A paixão aguçou o apetite de querer saber sempre mais. Autodidata, foi aprendendo sozinho a arte de reparar instrumentos de corda, em especial violinos. Conheceu Filipa e daí a abrir a oficina foi uma questão de tempo. Hoje, lamenta não ter começado mais cedo. "É aqui que nasce o melhor som do Porto", diz, sem qualquer tipo de vaidade.

É um mundo encantado, com arcos, cordas e crinas de cavalo

Na Oficina dos Violinos não há imitações. Há sempre música clássica no ar. É um mundo encantado, com arcos, cordas e crinas de cavalo (já lá vamos). De portas abertas (convém, antes, tocar à campainha) tem espaço para convívio e experimentação de instrumentos musicais. E também um ateliê, onde Miguel e Filipa constroem, restauram e alugam violinos, até para quem não possa ter um. "Há sempre trabalho", garante Filipa.

Os "Mateus" e as gotas de vinho do Porto

"Os violinos que vendemos são de uma gama alta e todos preparados por mim", observa o luthier portuense. Explica o que faz: "O corpo chega feito. Depois, são acabados com verniz e com toda a montagem (craveiras, alma, cordas). Mas há também os 'Mateus Luthier', esses sim, construídos aqui, do início ao fim".

Estes últimos demoram, em média, dois, três meses a construir. Levam uma etiqueta que deixa Miguel bastante orgulhoso: "Portus Cale". Podem custar, qualquer coisa, como cinco mil euros.

Então, e o vinho do Porto? "Somos os únicos luthier a colocar gotas de vinho do Porto no verniz", revela o artesão, confessando que os músicos que tocam com os seus "Mateus" são unânimes em dizer: "são instrumentos doces". E deixa cair um sorriso embevecido.

gco_oficina_violinos_luthier_archetier_2024_11.jpg

Os arcos e as crinas de cavalo

Já as cordas são a especialidade de Filipa. Um arco pode demorar cerca de duas semanas a fazer. Um trabalho minucioso que passa, entre outras exigências, por escolher boas… crinas de cavalo.

"São o melhor produto para um bom arco. Se pudesse utilizaria a crina dos cavalos portugueses, mas são muito grossos e ásperos", observa a archtier. Explica que para um bom arco, os fios têm de ser muito lisos, cumpridos e uniformes e "isso só se consegue com cavalos que vivem em altas altitudes, como por exemplo na Sibéria, na Mongólia ou China".

Revela mais um pormenor: as crinas das fêmeas são mais escuras que as dos machos. "Tem tudo a ver com o aparelho urinário. Os cavalos urinam para a frente, enquanto as éguas fazem-no para trás. Daí, os cabelos delas serem mais escuros que os deles”, garante.

É nesta simbiose de trabalho, entre violinos e cordas, que Miguel e Filipa construíram o seu "mundo". Nunca se cansam porque estão sempre a reinventar-se. Por exemplo, mesmo antes da pandemia, em 2018, implementaram a loja online para ajudar todos os seus clientes a ter acesso a acessórios e instrumentos de qualidade à distância de uns cliques.

E quando um "Mateus" ou um arco é vendido? "É um gozo fantástico quando um instrumento ou arco vão embora. Então, quando os vemos a tocarem no Teatro de São Carlos ou na Casa da Música é fabuloso", conclui Miguel, enquanto a Filipa tem entre mãos mais um arco para fabricar.

gco_oficina_violinos_luthier_archetier_2024_04.jpg