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Histórias da cidade: a lotaria que ajudou a construir o Hospital de Santo António

  • Paulo Alexandre Neves

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A construção do Hospital de Santo António não foi tarefa fácil. As obras dilataram-se no tempo e, à falta de verbas, a Santa Casa da Misericórdia do Porto teve a ideia de lançar uma lotaria. A rainha D. Maria I autorizou a realização de 10, embora apenas se tivessem concretizado sete, entre 1791 e 1798.

Em 1783, a rainha D. Maria I decretou a cedência da organização e exploração da Lotaria Nacional à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Um monopólio que permanece até aos nossos dias. Mas, houve uma exceção, que a própria permitiu no final do século XVIII.

O Hospital de Santo António – projetado pelo arquiteto inglês John Carr – começou a ser construído em 1769. As obras arrastaram-se no tempo sem que o plano inicial viesse a ser inteiramente materializado. Os ajustes foram-se fazendo no que resultou na atual traça do edifício neoclássico. Na altura, representou uma das maiores obras erguidas pela Misericórdia do Porto, um dos raros locais preparados para receber vítimas de grandes catástrofes e epidemias.

Só que a instituição não tinha verbas suficientes para prosseguir com as obras iniciais. Teve de lançar mãos a todas as formas de contributo. Uma delas foi solicitar à rainha a autorização para avançar com uma lotaria, por um período de dez anos, com os lucros totalmente destinados à obra de construção do hospital.

Lucros repartidos… com Lisboa

Na tese de doutoramento em História da Arte Portuguesa, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto por Lília Paula Teixeira Ribeiro, bolseira da Fundação para a Ciência e Tecnologia, em 2012, e intitulada “A Arquitetura Neopalladiana Portuense: O Hospital de Santo António (1769-1832)”, pode ler-se: “A necessidade que obrigou a principiar-se novo hospital não somente tem continuado; mas cresce diariamente com o grande augmento de população que tem adquirido todos os arrabaldes da cidade de ambos os lados do Douro, de que rezulta mayor precizão do mesmo novo hospital com a capacidade que falta ao existente. E como esta Santa Caza não tinha os meyos precizos para huma tão importante obra, sem faltar ás obrigaçoens do seu Instituto, e aos encargos impostos por differentes bem-feitores, nos legados que lhe tem deixado recorreu esta Meza a Sua Magestade, pedindo licença para abrir huma loteria nesta cidade por tempo de dez annos, e com os lucros della continuar a obra do novo hospital”.

D. Maria I concederia a respetiva licença por carta régia de 20 de setembro de 1790: “Hey por bem conceder que por tempo de dez annos possaes abrir huma loteria da importancia de sessenta contos, debaixo do plano, que em cada hum anno me deveis fazer prezente para ser approvado, separando se desta importancia, em cada hum dos dez annos o premio, ou lucro de doze por cento, o qual dividido em trez partes, se applicarão duas para as referidas obras do hospital dessa cidade e a outra terça parte a favor do Recolhimento das Convertidas do Rego da Corte, e cidade de Lisboa, que he obra pia, e proveitosa a todo o reyno”.

Na mesma tese de doutoramento pode ler-se que “foi autorizada a emissão de 9 375 bilhetes numerados – 6 244 brancos e 3 131 premiados – com o valor unitário de 6$400 réis”. Logo no primeiro ano de extração, a lotaria renderia à Santa Casa 5 903$148 réis. Dois terços do valor, ou seja 3 935$432 réis, pertenciam às obras do Hospital de Santo António. Ao Recolhimento das Convertidas do Rego da Corte e cidade de Lisboa cabia a soma de 1 967$716 réis.

O decréscimo do lucro apurado, a partir de 1795, e a inexistência de sorteio em 1797, levaram a Misericórdia a decretar, rapidamente, o fim da lotaria antes mesmo de perfazer o período de tempo autorizado por D. Maria I. Mas, perante alguma insistência, o príncipe regente D. João concederia, em maio de 1800, uma nova lotaria, agora por um período de seis anos.

Mesmo sem verbas, a Misericórdia avançou com a construção do hospital, ainda que obrigada a reduzir as dimensões da obra que viria a remanescer incompleta. A partir de 1799, o Hospital de Santo António passou a funcionar parcialmente.