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Estudo encomendado à Universidade do Minho conclui que a descentralização acarreta défice elevado

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O Município do Porto encomendou um estudo à Universidade do Minho sobre o processo de descentralização, que conclui que a transferência de competências do Estado Central para as autarquias é desajustada face ao custo real das tarefas a assumir. Rui Moreira já tinha avisado que o cheque é curto e que este processo de descentralização transforma os municípios em “tarefeiros”, não lhes conferindo autonomia ao nível das decisões políticas e de gestão. Na manhã em que o Executivo Municipal aprovou reiterar a recusa de transferências na área da Ação Social para 2021, o presidente da Câmara do Porto informou ainda que a Área Metropolitana vai propor ao Governo o adiamento da transferência destas competências.

“No seguimento da última reunião do Conselho Metropolitano e da eleição da nova direção da Área Metropolitana, o senhor presidente Eduardo Vitor Rodrigues anunciou que vai, de imediato, fazer démarches junto do primeiro-ministro e junto da tutela, no sentido de haver um adiamento específico para estas competências”, adiantou Rui Moreira na introdução do debate.

A transferência de competências para a área da Ação Social está cifrada em 1,9 milhões de euros ao ano, mas o autarca conclui que está longe de cobrir os encargos. “Nós chamámos a atenção que, de acordo da lei, com o que é imposto para os recursos humanos, teríamos um acréscimo 9 milhões de euros”, referiu Rui Moreira, partilhando que o único ajuste que a secretaria de Estado da Descentralização e Administração Local fez, após reclamação do Município, “foi aumentar-nos a verba na ordem 40 mil euros”.

Suportado num estudo encomendado à Universidade do Minho, tornado público há alguns meses, quando a Câmara do Porto recusou competências na área da ação social, Rui Moreira acusou o atual processo de incorrer “numa violação absolutamente clara àquilo que é o espírito da lei” ao promover a “suborçamentação de recursos”.

Para a área da Ação Social, o estudo conclui que “o aumento estimado nas despesas decorrentes da transferência de competências na área da ação social situa-se um pouco acima dos 8,8 milhões de euros. Este valor é manifestamente superior à verba prevista pela Administração Central. Daqui resulta uma insuficiência de financiamento na ordem dos 6,9 milhões de euros preocupa todos os municípios”, pode ler-se no documento desenvolvido pela equipa técnica coordenada por Linda Veiga.

Sem querer “entrar pela via litigiosa”, o presidente da Câmara do Porto voltou ainda a alertar para o facto de o processo de descentralização não permitir que as autarquias tenham voto na matéria relativamente aos recursos que passam a gerir. “É meramente cumprir uma tarefa, apresentada pela Segurança Social que a vem desempenhando, e nós não vamos decidir nada”, esclareceu.

Tendo recebido apenas o voto contra dos dois vereadores do PS (a vereadora Catarina Santos Cunha votou a favor, depois de ter informado, no início da reunião, que se desvinculava do grupo de vereadores do PS, mantendo a sua presença na Câmara do Porto como vereadora independente), a proposta foi acompanhada pelas restantes forças políticas representadas no Executivo Municipal: PSD, CDU e BE.

Tiago Barbosa Ribeiro, vereador do PS, escudou o voto contra no facto de que “há outros municípios a aceitar” a transferência de competências e garantiu que só faz sentido a descentralização se “o princípio de neutralidade” for respeitado. Perguntou por estudos e obteve a resposta de que o tema foi alvo de análise aprofundada.

Agostinho Cardoso, diretor do departamento municipal para a descentralização administrativa, realçou que, para a ação social, “o que está previsto na lei é que a Câmara Municipal não terá qualquer tipo de autonomia em relação ao RSI; fará apenas o que é indicado”. O estudo da Universidade do Minho é também perentório ao determinar o custo operacional que irá acarretar: “O impacto orçamental em recursos humanos e protocolos, na área da ação social, poderá ficar na ordem dos 6 milhões de euros”, ao qual se somam as despesas nas infraestruturas de atendimento, entre outras, que elevam os custos para os 9 milhões de euros.

Do lado dos sociais-democratas, o vereador Vladimiro Feliz recordou que as “disparidades” nas transferências de competências já são antigas e que “no tempo do Eng.º José Sócrates eram abissais”, concordando, por isso, que a Câmara do Porto reclame o justo quinhão pelas tarefas a desempenhar.

Ilda Figueiredo, vereadora da CDU, também esteve alinhada com a posição do presidente Rui Moreira, comentando que, nesta matéria, sempre convergiram. “Neste caso concreto ainda mais se justifica que o Governo reveja esta situação. Congratulamo-nos que o presidente da Área Metropolitana já tenha tomado a mesma posição, de insistir nesta alteração”, acrescentou.

Já da parte do Bloco de Esquerda, o vereador Sérgio Aires considerou que é preciso garantir a universalidade das medidas, reconhecendo que os recursos são insuficientes, tendo sugerido que o Município prepare um plano de ação sobre a transferência de competências.

No remate da discussão, Rui Moreira lembrou que também a área da Saúde é um mau exemplo de descentralização. “Não temos nenhuma competência na determinação dos horários de funcionamento, na contratação de médicos e até mesmo dos administrativos. Só podemos pagar os operacionais, mas nem para isso nem para o ‘Ajax’ temos”, ironizou.

“O Estado vai torna-se mais exíguo e a insatisfação da população pelo facto de o Estado se tornar mais exíguo vai virar-se contra os que estão mais próximos”, concluiu o presidente da Câmara do Porto.

Atualmente, a gestão das águas balneares da cidade do Porto, que transitou da APDL (Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo) para o Município do Porto acarreta à autarquia um custo cinco vezes superior àquele que o anterior organismo tinha.