Cultura

Entrevista com Cristina Planas Leitão: “O DDD Campus permite voltar a conectar de uma forma mais afetiva”

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Desde terça-feira nos palcos e na rua, o DDD - Festival Dias da Dança encontrou este ano um lugar de comunidade no Campus Paulo Cunha e Silva. Todos os dias, até à última dança, coreógrafos e jovens artistas juntam-se para os workshops, aulas e conversas que compõem a vertente de formação do festival, o DDD Campus. Em entrevista ao Porto., a programadora de Artes Performativas do DDD, Cristina Planas Leitão, sublinha a importância de voltar a estar próximo, a vontade de criar em conjunto e a necessidade de um tempo mais calmo para a dança.

O DDD Campus surge como resposta ao pedido da comunidade coreográfica local?
Todo o projeto do Campus surge um pouco como resposta à comunidade artística, tanto coreográfica, como intérpretes, como encenadores. O DDD Campus é quase uma interseção entre o projeto do Campus e o projeto do DDD. O DDD, no passado, tinha oferta formativa, workshops, aulas. E, este ano, resolvemos cruzar os dois programas, ou seja, mantivemos as práticas diárias do Campus, que acontecem sempre das 9,30 às 11 horas, durante toda a temporada, e acrescentámos workshops com coreógrafos que convidámos para o DDD. Era um desejo que tínhamos: que os coreógrafos e as companhias pudessem vir ao festival e ficar um bocadinho mais de tempo, e não aquele sistema de viajar, fazer espetáculo e ir embora. Construímos, em torno dos espetáculos os workshops do DDD Campus. São microcomunidades que se geram.

Depois de dois anos em pandemia, este DDD Campus é um (re)aproximar do público, dos artistas, da comunidade?
É mesmo isso. É reaproximar, conectar, criar novamente pequenas comunidades que se tornam comunidades duradouras, em que as pessoas partilham refeições, partilham espaços, partilham momentos um bocadinhos mais longos do que o espetáculo, do que o cruzarem-se à porta dos teatros. Acho que o DDD Campus permite voltar a conectar de uma forma mais afetiva depois destes dois anos.

Quem são os DDD Guests e porque são estes?
Os DDD Guests vêm no sentido de que os artistas possam permanecer no festival, e que o festival não seja só algo de passagem. Tínhamos pensado que gostaríamos de ter artistas que acompanham, realmente, todo o festival. Acabámos por convidar quatro artistas, com os quais temos afinidade artística, e cujo trabalho tínhamos curiosidade de conhecer melhor, mas ainda não era altura de convidar para o DDD. Convidámo-los a estarem connosco durante as duas semanas. Eles têm acesso aos estúdios do Campus como numa residência normal, a fazer todos os workshops e aulas que quiserem, e a ver todos os espetáculos.
A Ana Isabel Castro já tinha sido Jovem Artista Associada do Teatro [Municipal do Porto], um programa também afetado pela pandemia e daí termos estendido o convite para ela estar numa fase de residência de pesquisa para o projeto que vai apresentar no DDD seguinte. A Gaya de Medeiros é brasileira, vive em Lisboa, foi alguém que conhecemos no ritmo regular da temporada - como muitas vezes conhecemos artistas, fazemos reuniões com eles, dialogamos, percebemos em que ponto estão, que projetos é que têm - e ficámos com muita vontade de a ter cá. A Iara Isidoro, que vem de outra parceria, com o Panorama Raft, do Festival Panorama, do Rio de Janeiro. E o Djam que, por acaso, faz parte do elenco da Clara Andermatt. Na verdade, o convite foi anterior e depois percebemos que ele ficou numa audição como parte da peça. Ou seja, temos o Djam de Cabo Verde, a Iara e a Gaya do Brasil, e a Ana Isabel aqui do Porto. Eles vão fazer “previews”, pequenos momentos abertos ao público em cada domingo.

O objetivo, dizem, é criar sem a pressão de apresentar um trabalho. Este é um DDD para abrandar o ritmo?
É para abrandar o ritmo. Acho que o DDD tem muitas camadas, também uma camada festiva e isso é ótimo. É ótimo reencontrar as pessoas. Mas também acaba por proporcionar a alguns artistas esse abrandamento. Está a decorrer o workshop do Christian Rizzo, que faz com que ele fique bem mais tempo no Porto do que se só viesse para o espetáculo. Não é necessariamente um tempo de abrandamento, mas um tempo de maior permanência e de maior contacto com as pessoas.

Que diferentes perspetivas compõem estes workshops?
Começámos a desenvolver o programa em torno das práticas do Campus. Tivemos a vontade de que nada se sobrepusesse, que quem viesse ao Campus pudesse fazer todos os workshops que quisesse. Foi o foco principal: a não-sobreposição, que promove também uma maior envolvência com o programa do festival. Isso era importante para nós. No passado, os workshops do DDD eram bem mais curtos, eram quase masterclasses. Então chegámos aqui a um meio-termo, nada demasiado longo porque percebemos que a comunidade tem uma certa voracidade e quer fazer mais coisas, mas também algo superior a duas horas, que não permitem um contacto tão aprofundado com os artistas.
Além disso, há dois workshops que são oferecidos à comunidade local, um deles com a Carmen Mehnert sobre discurso artístico, e o outro com Line Rousseau, sobre difusão e estratégia. Foi algo que percebemos que era importante: enriquecer a comunidade dando-lhe ferramentas para a sua prática artística.
Para além dos workshops há dois dias onde há conversas em torno da questão “Festivais para quê?”. Porque não questionar um festival durante um festival? Convidamos as pessoas a estarem presentes, sobretudo a comunidade artística, a pensar sobre o ritmo, sobre a intensidade, a duração de um festival hoje. E sobretudo após uma pandemia.

De quantos participantes estamos a falar nestes workshops?
Cerca de 100.

A dança contemporânea mudou com a pandemia?
Acho que não mudou o suficiente. Talvez o ritmo de produção não tenha mudado o suficiente. Houve uma fase, que acredito que já tenha passado, em que muitas peças foram influenciadas pelo tema da pandemia. A pandemia também provocou uma certa reflexão sobre os modos de produção, a velocidade e o mercado das estreias. Muita gente está a questionar volumes de trabalho, intensidades. Acho que essa discussão começa a acontecer, não acho que já tenha acontecido.

Como tem sido a evolução da relação da cidade com a dança?
Uma coisa que acho que é muito visível agora é que há pessoas que estão a querer vir viver para o Porto. Sentimos muito mais isso no DDD, mas mesmo durante o ano. Há pessoas de Lisboa, do Brasil, a virem morar para cá porque a comunidade cresceu, os espaços também, volta a haver espaços alternativos no Porto, que são importantes e durante algum tempo deixaram de acontecer. Isso é muito visível neste pós-pandemia.

Que mais-valia encontra neste espaço [Campus Paulo Cunha e Silva] para o DDD?
São quatro estúdios, o que permite que as pessoas estejam em residência no seu perfeito isolamento – positivo! – e com silêncio e espaço de criatividade, e depois há todo um espaço em baixo que se torna quase comunitário. Vemos as pessoas dos vários workshops a juntarem-se e acho que isso é mesmo muito importante, essa criação de diálogo fora da prática artística, do estúdio.
Há uma vontade de conhecer o espaço, de voltar a estar juntos, uma vontade que se está a criar nestas práticas diárias para profissionais e alunos avançados, que é algo que não existia de uma forma muito acessível. O Campus tem proporcionado sobretudo espaço de trabalho.

O que é que procura e o que tem para oferecer esta nova geração da dança nacional?
Acho que a nova geração tem para oferecer novos modos de pensar. Não diria novos discursos, porque nada é novo. Noto uma vontade colaborativa grande, que era algo que não acontecia no Porto. As pessoas trabalhavam muito isoladamente. Agora há coreógrafos, encenadores, jovens artistas a juntar-se para fazerem coletivos. O coletivo é algo que sempre existiu nas artes, mas acho que esta nova geração está mesmo com vontade de fazer melhor, não estar sempre a produzir. Juntar-se, usar as valências uns dos outros, usarem-se uns aos outros como suporte afetivo, que é importante.