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Do Porto para o mundo, Henrique Cymerman tornou-se um “protagonista da História”

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A Concha Acústica dos Jardins do Palácio de Cristal foi na sexta-feira palco da apresentação de “Conversando com o Inimigo – Do Porto a Abu Dhabi via Telavive”, livro do jornalista Henrique Cymerman que junta memórias pessoais e análises históricas, geopolíticas e culturais.

Na obra, o autor fala da infância no Porto, da decisão de emigrar para Israel, ou do conflito israelo-árabe. Radicado em Israel desde o final da década de 1970, Cymerman é correspondente da SIC na região há mais de 20 anos, destacando-se não só pela cobertura do conflito, mas também pelas entrevistas que figuras como Yasser Arafat, Yitzhak Shamir ou mesmo Osama Bin Laden lhe concederam.

A abrir uma sessão integrada na programação da Feira do Livro – por onde já passaram mais de 60 mil pessoas – o presidente da Câmara do Porto começou por fazer uma confissão: “Conheço o Henrique Cymerman há muitos, muitos anos. Andámos no mesmo liceu”. Congratulando o autor pela escolha do Porto para a primeira apresentação pública do livro, Rui Moreira confessou-se “naturalmente feliz com esta preferência pelo Porto e estou certo de que os portuenses me acompanham neste sentimento”, notando que “a projeção internacional que Henrique Cymerman – um nosso conterrâneo – alcançou como jornalista motiva, seguramente, a admiração e o respeito da cidade.”

“Acresce que a Feira do Livro é um certame que mobiliza o Município e a cidade, sendo por isso muito gratificante ter um jornalista internacionalmente credenciado a lançar aqui o seu livro”, acrescentou o autarca, resumindo a obra como “um desnovelar de memórias que se vão cruzando com a marcha da História, em particular com os episódios e figuras mais marcantes do Médio Oriente nos últimos 50 anos.”

“Exemplo de tolerância e equidade”

“Para se ter uma ideia, Cymerman teve o privilégio de conviver e entrevistar personalidades como Yasser Arafat, Shimon Peres, Mahmoud Abbas, Yitzhak Rabin ou Ariel Sharon, só para citar alguns dos principais atores do conflito israelo-árabe. Imbuído de grande coragem e sentido de missão, privou ainda quer com líderes jihadistas, quer com judeus ultraortodoxos. Esta abertura para conversar com todos, mesmo com o inimigo, faz de Henrique Cymerman um exemplo de tolerância e equidade numa região radicalizada como é o Médio Oriente”, salientou Rui Moreira.

Para o presidente da Câmara do Porto “este livro permite-nos compreender melhor o seu trabalho pela paz e pela reconciliação no Médio Oriente, que vai muito para lá da atividade jornalística”. “Ao realizar a última entrevista de Yitzhak Rabin ou ao promover a oração da paz no Vaticano, Cymerman interveio no curso da História, tornando-se protagonista da mesma”, sublinhou.

“A sua postura compassiva e conciliadora valeu-lhe o cognome «Anjo da Paz», atribuído pelo papa Francisco. O humanismo de Cymerman é um bálsamo contra o fanatismo político e religioso que dilacera o berço da nossa civilização. Ainda assim, ‘Conversando com o Inimigo’ deixa uma mensagem de esperança na paz e transmite um otimismo humanista que contagia os leitores”, enalteceu o autarca.

Via política e diplomática para o conflito

Mais do que um relato, o livro de Cymerman “apresenta até uma via política e diplomática para o conflito israelo-árabe”, frisou Rui Moreira, acrescentando: “O autor defende, e passo a citar, ‘a continuação e multiplicação dos Acordos de [Paz] de Abraham assinados, até agora, com os Emirados Árabes Unidos, o Bahrein, Marrocos e Sudão. Israel deve fazer todos os possíveis para aprofundar essas relações, ampliando‑as a nações como Omã, Kuwait, Qatar, Arábia Saudita e, no futuro, países como o Iraque, a Tunísia e a Argélia’.”

“Para Cymerman, a aproximação de Israel ao mundo árabe representaria um mercado potencial de mais de um bilião de pessoas. Ora, um mercado desta dimensão traz evidentemente boas perspetivas de intercâmbio, comércio e investimento, com grandes benefícios para as economias israelita e árabe”, prosseguiu o presidente da Câmara do Porto, confessando: “Parece-me uma solução credível tomando como exemplo a CEE, que ao promover a integração económica na Europa garantiu a paz entre países historicamente rivais, como a Alemanha, França e Reino Unido. Oxalá as lideranças políticas de Israel e dos países árabes estejam à altura do desafio, algo que hoje, como sabemos, não parece ser infelizmente o caso.”

“Cymerman é uma janela para o Médio Oriente”

Na sua intervenção, Rui Moreira elogiou também a forma como Henrique Cymerman “sabe enquadrar na realidade portuguesa os factos que relata, dando pleno sentido à atividade de correspondente. Conhecermos a realidade do Médio Oriente por um jornalista português radicado em Israel é, seguramente, mais enriquecedor do que fazê-lo através das agências e media internacionais.”

“Para muitos portugueses, Henrique Cymerman é uma janela para o Médio Oriente. Através do seu olhar, vamos acompanhando de perto uma das mais turbulentas regiões do mundo e um dos mais complexos problemas geopolíticos da atualidade”, acrescentou.

A sensibilidade de Henrique Cymerman para o conflito israelo-árabe vem de longe e tem raízes na Invicta, notou ainda Rui Moreira: “A primeira parte do livro é centrada no Porto, cidade onde a família de Cymerman instalou uma fábrica de fechos‑éclairs, na zona da Boavista. Por entre manifestações de profundo afeto aos seus pais, o autor conta-nos como foi ser criança e adolescente no Porto dos anos 60 e 70. A felicidade desses dias era, por vezes, ensombrada por manifestações de antissemitismo na escola e pela sensação de que, por ser judeu num país católico, pertencia a uma minoria.”

“Havia poucos judeus no Porto mas a Sinagoga Mekor Haim, na Rua de Guerra Junqueiro, é um ‘ícone da identidade’ de Henrique Cymerman, revela o próprio no livro. Sozinho, ia todas as sextas‑feiras à noite para a sinagoga pronunciar a oração de Arvit, uma prece noturna do Shabat. E o antissemitismo que então sentiu na pele serviu-lhe para ‘perceber que os estúpidos estão cheios de certezas e os inteligentes estão cheios de dúvidas’. Com tudo isto, quero sublinhar que foi no Porto que Cymerman consolidou a sua identidade judaica e decidiu partir para Israel”, sublinhou o presidente da Câmara do Porto.

Em jeito de conclusão, Rui Moreira vincou que “o Porto deu essa ‘vivência distinta’ a Henrique Cymerman e o jornalista retribuiu associando a cidade à sua brilhante carreira internacional, como faz neste livro”, rematando que “pela sua história pessoal e pela sua carreira profissional, Henrique Cymerman dignifica a cidade do Porto.”

Emoção do regresso

Num registo confessional, Henrique Cymerman admitiu ter-se sentido emocionado neste regresso ao Porto: “É a magia do lugar onde tudo começou”, confessou o jornalista. “Tudo o que vivi no Porto, os primeiros 16 anos da minha vida, marcou-me para sempre. Tenho amigos do liceu que vêm dar-me um abraço como se tivéssemos falado anteontem. Isto mostra o caráter desta gente”, acrescentou.

“O que me obrigou a escrever este livro foi a Covid-19, os confinamentos, não poder sair de casa. Tinha tanta coisa na minha cabeça e sentia o temor de esquecer”, admitiu Cymerman, reconhecendo que “foi o livro que me foi mais fácil escrever até agora. Já o tinha escrito na minha cabeça.”

Na obra, o jornalista evoca o seu percurso de vida, a decisão pessoal de ir para Israel, os desafios que enfrentou, a carreira que construiu. “‘Conversar com o Inimigo’ para o transformar em amigo, tem sido a minha postura”, sublinhou Henrique Cymerman, terminando a sua intervenção com uma frase inspiradora: “Shimon Peres dizia-me que, otimistas e pessimistas, no fim todos morrem. Mas os otimistas vivem muito melhor. Sejamos capazes de continuar a acreditar.”

A encerrar a sessão, foi lida uma mensagem de Miguel Ángel Moratinos, alto representante das Nações Unidas para a Aliança das Civilizações, impedido de estar presente no Porto para a apresentação da obra.