Educação

Conversas Sub 30: "Seremos sempre genuínos, convictos e, se for preciso, incómodos", garante Francisco Porto Fernandes

  • Paulo Alexandre Neves

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É a primeira grande entrevista do recém-eleito presidente da Federação Académica do Porto (FAP), o mais novo de sempre. Francisco Porto Fernandes, que tomará posse na próxima quarta-feira, tem 21 anos. Licenciado pela Faculdade de Economia (FEP) e a frequentar o mestrado em Economia na mesma universidade, sucede a Ana Gabriela Cabilhas. Não teme comparações com uma líder que ficou também na história (pelos três mandatos consecutivos) da instituição, prometendo uma academia “genuína, convicta”, mas também, se for preciso, “incómoda”. Espera continuar e até aprofundar as parcerias com a Câmara Municipal do Porto.

És o presidente eleito mais novo de sempre da FAP e sucedes a uma líder carismática. Estás na cadeira de sonho do associativismo estudantil?
Acima de tudo, para qualquer estudante da academia do Porto mais do que um sonho é uma grande honra e responsabilidade. Tenho consciência que sucedo à melhor presidente de sempre da FAP, pelos muitos projetos que fez e, sobretudo, por colocar sempre a Federação Académica como parte da solução, objetivo que pretendo continuar no meu mandato. Não diria que é uma cadeira de sonho, mas de muita responsabilidade. Carrego aos ombros a responsabilidade de representar mais de 80 mil estudantes. O grande perigo, nestes cargos, é perdermos o foco em tantos problemas, quando tem de ser só um: melhorar a qualidade de vida dos estudantes da academia.

Quem é o recém-eleito presidente da FAP?
Tenho 21 anos. Nasci, por mero acaso, na Póvoa de Varzim, mas sempre vivi no centro do Porto. Costumo dizer que sou portuense por naturalidade e convicção. Tenho Porto no nome. É muito do que sou. Estudei sempre na escola pública (Secundária Garcia de Orta). Sou licenciado em Economia e estou a frequentar o mestrado na Faculdade de Economia (FEP), área que foi sempre a minha paixão. A ligação ao associativismo começou na “Garcia de Orta”, onde fui presidente da associação de estudantes. Continuou na FEP, onde também fui eleito presidente da associação de estudantes (2022/23) e vogal da FAP, em 2023. Por isso, foi algo natural candidatar-me à presidência da Federação Académica.

Estas novas funções vão exigir muito de ti. Os estudos vão sair prejudicados?
O presidente da FAP é muito mais que um 'full time job'. É muito complicado conciliar os estudos e o desempenho da função. Para já, pretendo colocar um pouco de parte os estudos, mas tentando fazer sempre, pelo menos, uma unidade curricular por semestre. Não quero perder a ligação à sala de aula, ir a um exame, a um seminário. É sempre possível conciliar. Por exemplo, a Ana Gabriela [Cabilhas, anterior presidente da FAP] apresentou, recentemente, a tese de mestrado. É perfeitamente possível conciliar, claro, mais devagarinho.

É muito mais fácil sucedermos a alguém que fez um bom trabalho

Foste eleito em lista única. Foi vontade própria ou a tua candidatura nasceu no seio da anterior direção da FAP, onde já eras vogal?
Quando uma lista consegue 22 votos em 23 [n.r: Francisco Porto Fernandes foi eleito com 22 votos a favor e um voto em branco, num universo de 23 associações de estudantes que marcaram presença no ato eleitoral] é muito difícil que não seja algo que nasça de fora para dentro. Obviamente, tinha um projeto, que foi bem acolhido por todas as associações da academia. Houve uma vontade própria para me candidatar, mas, acima de tudo, a perceção de que, aos olhos das associações de estudantes, seria o melhor candidato. Não poderia recusar a prestar este serviço à academia.

Suceder a Ana Gabriela Cabilhas, que esteve à frente da FAP três mandatos consecutivos, não te pode condicionar o mandato?
Penso que não. É muito mais fácil sucedermos a alguém que fez um bom trabalho, pegarmos numa casa que esteja em ordem, bem gerida, que evoluiu bastante. É, acima de tudo, uma honra suceder-lhe. É inevitável que sejam feitas comparações, comentários entre os mandatos dela e o meu, mas a verdade é que isso exige mais de mim e é bom para a FAP. Quanto melhor os nossos antecessores mais exigem de nós e quero que exijam de mim o que a Federação Académica merece, ou seja, representá-la com excelência.

Qual a tua primeira prioridade?
É o combate às desigualdades sociais, não só no Ensino Superior. A mobilidade social em Portugal é das mais baixas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). As famílias pobres demoram cinco gerações a subir de classe social e os alunos das classes mais baixas são praticamente inexistentes nos cursos com nota de entrada mais elevada. O ensino público não dá uma resposta equitativa. Veja-se os últimos dados do Relatório PISA. Depois, temos uma crise brutal no alojamento, que representa quase 85% nas despesas de cada estudante. Isto significa que há uma classe média muito oprimida no acesso ao Ensino Superior. Tudo isto provoca mal-estar psicológico ao estudante, que, depois, pode resultar em abandono. E o depois também é muito importante, ou seja, na valorização do Ensino Superior. Hoje, o resultado é a emigração jovem. Não é uma escolha, mas uma espécie de obrigação, face os salários praticados no nosso país.

Há muito a vontade de ser uma academia de soluções

Na prática em que é que as tuas prioridades se vão traduzir?
A FAP não pode ser apenas um identificador de problemas. Temos de construir e propor soluções. Vincula-nos sempre mais, dá-nos muito mais trabalho e é muito mais exigente, mas isso é muito importante. A FAP já tem feito esse caminho. A Residência Academia 24 não muda o mundo, mas é um sinal. Enquanto o Plano Nacional de Alojamento para o Ensino Superior apresenta, desde 2018, 400 camas, uma federação académica, com o apoio da Câmara Municipal do Porto e sem fundos do Estado, faz 40, em pouco mais de um ano. Por outro lado, pretendo investir no Centro de Estudos e Investigação para desenvolver propostas para problemas concretos dos estudantes e jovens portugueses. Ou seja, a FAP ser não só uma voz que identifica, mas que tem soluções e apresenta propostas concretas. Há muito a vontade de ser uma academia de soluções.

Vai ser um mandato reivindicativo?
Acima de tudo vai ser um mandato sem medos. Seremos sempre genuínos, convictos e, se for preciso, incómodos. De resto teremos sempre a prioridade pela Educação, num país que só fala do Ensino Superior aquando do concurso nacional de acesso ou do problema da falta de residências para os estudantes.

A parceria com a Câmara Municipal do Porto tem sido muito proveitosa

Que avaliação fazes das parcerias com o Município do Porto?
A Câmara Municipal é a nossa principal parceira. Sem ela, o nosso trabalho estaria muito dificultado. Dou o exemplo da Queima das Fitas, o evento maior dos estudantes, feito lado a lado com a Câmara e que, de outra forma, não seria possível realizar. Mas temos a "Academia 24", o Programa Aconchego, o Pólo Zero. A parceria tem sido muito proveitosa. Juntos temos criado muito valor à cidade. O nosso objetivo é comum: tornar a cidade um local melhor para viver, tanto para os estudantes como para a população em geral.

Já tens ideias a propor à Câmara Municipal?
Uma das principais prioridades passa por garantir a sustentabilidade e a boa gestão da "Academia 24". Em resposta às desigualdades ao acesso do ensino superior pretendemos criar também um Centro de Apoio ao Estudo para estudantes carenciados, com explicações gratuitas. Queremos muito ter o apoio da Câmara na identificação, junto das escolas secundárias, desses estudantes. Pretendemos colmatar esta desigualdade que existe antes e no acesso ao Ensino Superior.

Com estas novas funções ainda tens tempo para gozar a cidade?
Agora terei menos. Gosto de sair à noite, de ir ao ginásio, jogar ténis ou futebol, rir com os meus amigos, caminhar pelos jardins do Palácio de Cristal. Por exemplo, e por causa dos exames, os estudantes não costumam gozar, em pleno, o S. João. É uma das minhas grandes mágoas, que, espero, ainda assim seja um pouco colmatada. Costumo dizer que não me imagino a viver em mais nenhuma cidade do mundo. Não há como o nosso Porto. Adoro viver aqui.

O que é o Porto para ti?
(longo silêncio) É uma frase feita [de Agustina Bessa Luís] mas que cito muitas vezes: 'O Porto não é um lugar. É um sentimento'. Sinto mesmo isso. O orgulho de ser portuense. Vem muito da nossa história, mas também de como é a nossa cidade. Até aqui, na FAP, temos muito o sentimento de ser da academia do Porto, mais do que de cada uma das faculdades que a compõem. Para mim, o Porto é uma forma de ser, estar, sentir.