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Conversas Sub 30: “Quero instalar-me e criar raízes artísticas aqui", confessa a artista multifacetada Sofia Santos Silva

  • Paulo Alexandre Neves

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Filipa Brito

Sofia Santos Silva nasceu no Porto, em 1993. Iniciou a sua formação, enquanto atriz, na Academia Contemporânea do Espectáculo (ACE) e licenciou-se na Escola Superior de Teatro e Cinema, em Lisboa. Ganhou o Teatro à Música, já que frequentou também o Conservatório de Música do Porto, onde concluiu o Preparatório em Canto Lírico. Criadora, intérprete, cantora, desenvolve projetos artísticos no âmbito da sua estrutura profissional. Farta de viver em Lisboa quer criar raízes artísticas na “cidade do amor”, tal como define a Invicta. Em 2021 ganhou a 4.ª edição da Bolsa Amélia Rey Colaço, com o projeto “Another Rose”.

Em que fase está a sua vida profissional?
Há dois anos que decidi desenvolver trabalho autoral, ou seja, escrever espetáculos de teatro. Inicialmente, no Coletivo Retorno, com profissionais e interesses comuns. Quando regressei ao Porto, depois de viver seis anos em Lisboa, decidi emancipar-me, enquanto criadora e escritora. No ano passado ganhei a quarta edição da Bolsa Amélia Rey Colaço, com o projeto “Another Rose”, um espetáculo que levou um ano a idealizar. Uma coisa muito intensa. Neste momento, estou numa fase em que me apetece expressar de uma outra forma, através da música, porque também tenho formação e historial nessa área. Apetece-me experimentar, criar uma identidade musical que me caracterize e faça sentido. Estou a desenvolver um EP musical, que cruze vários universos e gostos artísticos. Uma fusão entre o fado, a eletrónica e um coro.

Encheu-se do palco ou está à procura de uma outra vertente dentro desse mundo?
É um bocadinho as duas coisas ainda que não possa dizer que esteja cheia dos palcos. Preciso de descansar um pouco, depois do “Another Rose”. Além de escrever faço produção, estou a gerir a minha própria estrutura. É um trabalho muito intenso. Ao mesmo tempo, neste projeto, a componente musical foi muito central em todo o trabalho. Isso levou-me a pensar: ‘e se eu trabalhar este formato?’’. É aqui que me apetece estar e explorar. Não estou cansada, preciso de descansar, mas estou com urgência em explorar outro tipo de expressão artística.

Tudo começou na Academia Contemporânea do Espetáculo (ACE). O que significa para si essa casa?
É o começar de uma identidade. Até aí parece que eu não existia. Abrange o período da adolescência em que, de repente, sou confrontada com imensas questões, conhecimentos que, até então, não tinha. Significa um pilar para o meu desenvolvimento, enquanto intérprete e criadora, se calhar de uma forma mais estrutural que a própria faculdade. Foi uma escola que me deu muitas ferramentas. É muito profunda nas diferentes metodologias que propõe. É das memórias mais felizes que tenho da minha formação.

Estava farta de Lisboa

Que memórias guarda de infância do Porto?
O de chegar ao centro, de comboio [estação de S. Bento] com os meus pais, e sentir uma beleza muito caraterística da cidade. Eram fins de semana muito especiais. Por outro lado, desde muito cedo, eles levavam-me ao Teatro de Marionetas do Porto, em Arca d’Água. Foi o meu primeiro contato com o teatro, ainda que de uma forma muito inconsciente. Era sempre um momento mágico.

Volta ao Porto depois de seis anos a viver em Lisboa. Como encontrou a cidade?
Foram circunstâncias pessoais que me levaram a regressar. Estava farta de Lisboa. O Porto é a minha base, sinto sempre que é a minha casa. Um dia escrevi que é ‘a minha cidade do amor’. Gosto muito da comunidade artística do Porto. Pena é que haja uma geração de jovens criadores emergentes que querem fazer coisas, mas não têm condições ou meios para poderem apresentar e efetivar projetos e novas ideias. Sinto que há uma dificuldade enorme em comunicar com alguns agentes culturais, sobretudo ligados ao Estado. Percebo que é complicado. É muita gente, não há muito orçamento, as mesmas questões de sempre, infelizmente. O Porto está a crescer muito – novos espaços, turismo, novos investimentos – e ainda bem, mas ainda falta uma maior vontade ou maior disponibilidade para ir atrás de novas ideias, de novos artistas e maior diversidade.

Tem formação musical. Foi incompatível ou ganhou o teatro como vocação?
Desde os três anos que estudava música, muito influenciado pelo meu pai, que é guitarrista. Sempre conciliei o teatro com a música, mas entrei para a faculdade ao mesmo tempo que em canto lírico, no Conservatório de Música do Porto. Aqui, o nível de exigência começou a ser outro. Como estava apaixonadíssima pelo teatro optei por ir para a Escola Superior de Teatro e Cinema, em Lisboa. Hoje, penso que foi uma estupidez porque poderia ter sido uma cantora lírica incrível. Poderia estar bem de vida (risos). A minha professora de canto lírico ficou, na altura, bastante zangada. Neste momento, o facto de focar-me na música é quase uma prova que quero dar a mim própria de que sou capaz.

Quero muito trazer o ‘Another Rose’ ao Porto

No teatro, há algum momento, algum espetáculo que a marcou?
É muito difícil responder porque os espetáculos marcam-nos conforme as fases das nossas vidas. Espetáculos que nunca vou esquecer: os de Peeping Tom [uma das mais conceituadas companhias de dança europeias], o Vader, os de Pina Bausch, por causa da linguagem, escala, dimensão. Não posso esquecer todos os espetáculos do Tiago Rodrigues. Dizem-me muito porque me influenciaram, enquanto criadora e que escreve peças de teatro. É uma grande influência. Como criadora destaco “Uma Frida” [2017]. Foi a primeira peça que escrevi, uma criação com o Coletivo Retorno, cuja primeira parte da apresentação decorreu no Teatro Rivoli. Já como intérprete foi um projeto que fiz com uma colega. Acabadinhas de sair da faculdade decidimos fazer uma das peças mais exigentes, a nível de composição e abordagem: “As criadas”, de Jean Genet.

Em 2021 ganhou a quarta edição da Bolsa Amélia Rey Colaço, com “Another Rose”. O que significa isso para uma jovem criadora?
É sempre gratificante e faz-nos continuar. Pela primeira vez pude iniciar um processo e estar a trabalhar, em boas condições, com muitas pessoas. Significou um salto na abordagem do meu trabalho, ou seja, o de poder estar a construir algo, num outro tipo de condições. Um salto de perspetiva e de crescimento. Foi um processo longo, com várias fases de trabalho e muitas pessoas. Pude partilhar o meu trabalho com quem ainda não me conhecia.

Vai lançar projetos, enquanto criadora, a partir do Porto?
Estou a tentar. Primeiro, quero muito trazer o “Another Rose” ao Porto. Estou a tratar disso. Quero instalar-me e criar raízes artísticas aqui. Poder apresentar e estrear espetáculos na minha cidade. Quero ter aqui um núcleo, uma ligação mais forte com os agentes culturais. Mil vezes morar no Porto que em Lisboa.

[O Porto] É o espaço do sossego antes do desassossego

Para esta entrevista escolheu o Teatro Rivoli. Porquê?
Desde criança que frequento este espaço. É um símbolo da cidade, se pensarmos na música do Rui Veloso. Está muito no meu imaginário artístico e pessoal. Só de pensar que passaram por aqui muitos artistas, de diferentes áreas e nacionalidades. Por isso, deverá continuar a ser, como é nos dias que correm, uma casa da cidade, com toda a diversidade.

Já pensou que, um dia, poderá ter um espetáculo seu neste teatro municipal?
Espero bem que sim. Já estive aqui, com “Uma Frida”, mas tudo farei para apresentar, nesta belíssima sala e, atualmente, com grande dinâmica, um espetáculo totalmente produzido por mim.

O que é o Porto para si?
É amor, família, o espaço do sossego antes do desassossego. Onde preciso de voltar para, depois, me inquietar outra vez. É um pilar que preciso para depois me perder outra vez. É um espaço onde preciso sempre de regressar.