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Conversas Sub 30: “Observei o Porto a crescer muito e a ser reconhecido, internacionalmente, como lugar de artes e cultura”, afirma Odete

  • Paulo Alexandre Neves

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Filipa Brito

Simplesmente Odete. Nasceu no Porto, em 1995, e desenvolve projetos nos domínios da música, artes visuais, performance e teatro. Concluiu o curso de Artes do Espetáculo na Academia Contemporânea do Espetáculo - Escola de Artes do Porto, em 2013, onde frequentou o curso de artes performativas na área de representação, e tem um bacharelato, em Estudos Gerais, pela Universidade de Lisboa. Apresentou criações em diferentes espaços e contextos, tais como o Teatro Municipal Campo Alegre e Festival DDD – Dias da Dança. Em 2020 venceu a primeira edição do RexForm – Projeto internacional de Performance. Lançou o seu primeiro livro de poesia, intitulado “The Elder Femme and other Stone Writings”, pela Pântano Books.

Como se define profissionalmente?
Defino-me, sobretudo, como artista. Implica ser muitas coisas diferentes: pensadora, escritora, compositora, ativista, quando é preciso.

E entre tantas áreas diferentes há alguma que prevaleça mais?
Acho que não. O meu trabalho é muito multidisciplinar e interdisciplinar. Faço várias coisas que se atravessam umas às outras. Escrevo, faço música, performance, artes visuais. Por isso, para mim é muito difícil definir um território único.

Nasceu no Porto. Que memórias tem de infância?
Sempre vivi no Porto. Sou da zona de Contumil, Antas. Tenho memória dos jardins, como este [Parque de S. Roque], estar na rua a criar coisas, a desenhar, a escrever. Tenho também memória de pessoas. Tenho tantas que nem sei qual delas escolher.

Em criança era muito ambiciosa

Já nessa época gostava de fazer múltiplas atividades?
Sempre soube, de alguma forma, que iria ser artista. Sempre avisei os meus pais. Isso foi uma coisa muito clara no meu percurso escolar, pessoal, familiar.

Não colocou em hipótese outras carreiras?
Por acaso não. Em criança era muito ambiciosa. Sempre disse que iria ser artista e, mesmo que o mundo não quisesse que fosse, provar que as pessoas estavam erradas. Não tive plano B.

Já publicou um livro de poesia (“The Elder Femme and other Stone Writings”, pela Pântano Books). Só gosta desse género?
Ele não é necessariamente poesia, no sentido restrito. São uma série de textos que, de alguma forma, navegam de forma poética. Tem textos de dramaturgia, académicos, poemas, prosa. É mais fácil categorizar um livro experimental como de poesia do que de outra coisa qualquer. Escrevo muitas coisas diferentes – peças, textos académicos, artigos, crónicas –, mas poemas é a minha forma de escrita principal.

Como apareceu esse seu primeiro livro?
Surgiu de um prémio – ReXform, projeto internacional de performance –, que ganhei em 2020. A editora [Pântano Books] leu o guião, que eu dava às pessoas nos museus, e sugeriu publicá-lo.

[Com o prémio ReXform] Senti-me bastante segura daquilo que estava a fazer

O que significou ganhar o prémio ReXform?
Foi, sobretudo, um processo de validação. Sentir que as pessoas exteriores a mim e ao meu círculo olhava com dignidade para os meus projetos artísticos. Foi muito importante para mim ter acesso a instituições como o Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT) e a BoCA - Bienal de Arte Contemporânea. De repente, senti-me bastante segura daquilo que estava a fazer.

O ReXform - Projeto internacional de Performance, no valor de 12 mil euros, visa promover a criação artística contemporânea, acompanhando a evolução do conceito de performance. Foi criado em parceria pelo Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT) e a BoCA - Bienal de Arte Contemporânea, com o objetivo de apoiar criações de jovens artistas até aos 35 anos.
Odete candidatou-se com o projeto “MTF Priestesses Cutting The Bone to Reveal It`s Lie”, contando também com a participação dos artistas Tita Maravilha e Herlander. O projeto é composto por três partes – um livro mágico, um videojogo e uma performance – e pretende ficcionar uma sociedade secreta que se apresenta ligada a nomes como Joana d`Arc, Eliogabalus ou Chevalier D`Eon.
Na justificação da escolha, o júri escreveu: “Após um debate intenso e gratificante sobre os candidatos fortes da lista, decidimos premiar Odete porque apreciámos o facto de ela se sentir autorizada a trabalhar a nível político no espaço da arte, numa abordagem multifacetada que conjuga práticas de estúdio (pintura e desenho) com performance, e em colaboração com uma forte comunidade de pares”.

Também pinta. Que tipo de arte é a sua?
É difícil de dizer porque depende muito do projeto. Diria que é uma arte assente na investigação teórica, histórica. Investigo muito para desenvolver uma linguagem que passe às pessoas, numa imagem, num objeto, num poema, numa performance, tudo aquilo que investiguei. É um trabalho histórico.

Tirou o curso de Artes do Espetáculo na Academia Contemporânea do Espetáculo - Escola de Artes do Porto, em 2013. Que recordações desse tempo?
Ainda que tenha muitas memórias boas foi um período, como para qualquer adolescente, bastante conturbado. Ainda assim, tenho memórias boas, de ir descobrindo a cena artística no Porto, sendo que, na altura, quando comecei não havia muito. Foi num período em que o Porto estava bastante empobrecido, em termos de cultura. Agora, está radicalmente diferente. Em poucos anos, observei o Porto a crescer muito e a ser reconhecido, internacionalmente, como lugar de artes e cultura. Nota-se a diferença nos artistas daqui, como falam e se posicionam. Na altura foi estranho porque, ainda que estivesse a gostar de me descobrir como artista, foi, igualmente, muito triste perceber que, se calhar, teria de sair daqui para ter um futuro como artista. Hoje, felizmente, está tudo diferente.

O Porto, mais do que Lisboa, tem o privilégio de ser um lugar de risco

Como define o Porto, atualmente, em termos culturais?
Tem crescido muito e com coisas muito interessantes. Artistas que saíram e voltaram. Tem sido um polo para experimentar. Artistas que vem para o Porto porque têm lugar para falhar, para descobrir outras formas de arte, relacionarem-se uns com os outros e públicos diferentes. Isso, em termos artísticos, é muito importante. A arte, para ser boa, tem de passar por uma série de processos de experimentação. O Porto, mais do que Lisboa, tem o privilégio de ser um lugar de risco.

Neste momento, o que está a fazer?
Várias coisas. A partir do Porto, no Campus Paulo Cunha e Silva, estou a desenvolver uma série de residências em diversos países, no âmbito do projeto Future Laboratory (uma rede de artes performativas que procura colocar em diálogo artistas e públicos, de forma a identificar as próximas narrativas europeias). Estou também a fazer música, peças de teatro, performance, filmes, instalações.

O que é o Porto para si?
Que pergunta tão difícil. Mais do que ser a cidade onde nasci, cresci, me definiu como pessoa, é uma série de memórias, de possíveis futuros. Não é só uma cidade do passado. Para mim, o Porto carrega uma dimensão meia misteriosa. Sou quem sou por ter nascido aqui. Carrego isso de uma forma muito clara. Tendo mesmo vivido seis, sete anos em Lisboa não consigo dizer que sou de lá. Carrego o Porto comigo, seja isso o que for (clima, cores, pessoas, amizades, educação). Ser de Contumil é mesmo definidor da minha personalidade.