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Conversas Sub 30: “O trabalho de um bartender vai muito para além de criar e oferecer cocktails”, diz João Costa

  • Paulo Alexandre Neves

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Filipa Brito

Natural do Porto, João Costa começou por estudar Gestão Hoteleira, curso que deixou de lado porque não queria trabalhar atrás de um computador. Experimentou o curso de Pastelaria, mas foi no de Bar que sentiu a sua verdadeira vocação. Em todos os concursos entra sempre para ganhar, mas só o conseguiu, em 2022, no World Class Portugal, com a criação de um cocktail à base de tangerina: o Gomo Ten (na foto). E um dedicado ao Porto? “Pode ser um desafio, quem sabe”, confessa o jovem portuense.

Nunca pensou ser outra coisa qualquer que não bartender?
Quando saí da escola secundária, e porque sempre gostei muito de hotelaria, pensei que seria uma mais-valia tirar um curso superior. Passado um ano, vi que aquilo não era bem o que gostava de fazer. Muito teórico, muito computador. Havia pouco contato com as pessoas. Queria ser pasteleiro. Gostava, e ainda gosto, muito daquilo, mas não me satisfez. Entretanto, comecei a ver o trabalho de amigos que trabalhavam nos bares e discotecas. Foi, então, que decidi vir para este mundo dos bares.

Um percurso académico atribulado.
Sabia o que queria, mas, depois de lá estar, descobre-se que há partes que não queremos. Como em todos os cursos só uma especialização nos realiza totalmente.

Afinal, o que é um bartender?
Na prática, e de uma forma muito generalizada, um bartender cria bebidas. Entre nós, que trabalhamos na área, há uma distinção entre quem serve, numa discoteca, uma bebida e se diz bartender de quem, realmente, o é porque vai muito para além disso: um bartender conhece pessoas, dá conselhos aos seus clientes, faz experiências novas e não apresenta apenas um cocktail. Fazemos coisas diferentes, motivamos os clientes para novas bebidas.

Não é um trabalho monótono

Tem sempre essa preocupação de criar bebidas?
Depende do sítio onde trabalhamos. Aqui [no Torto Bar] temos essa abertura. Mudamos o menu com alguma regularidade. Temos a preocupação de ajudar os nossos clientes a escolher, conforme o seu estado de espírito. O trabalho de um bartender vai muito para além de criar e oferecer cocktails. Não é um trabalho monótono. Ou conhecemos os clientes e ajudamo-los nas suas escolhas ou, se for uma pessoa nova, temos a preocupação de, primeiro, saber os seus gostos. Por exemplo, saber se é alérgico a algum produto. Isso é muito importante. A partir dessas informações fazemos o cocktail.

Como nasceu o Gomo Ten, cocktail com que venceu a sétima edição do World Class Portugal 2022?
Nasceu numa das atividades (“pop up”) que organizamos, sem periodicidade definida. Convidamos pessoas de outros restaurantes da cidade a vir aqui fazer os seus cocktails. Foi numa dessas atividades, com um colega de um restaurante asiático, que tentámos fazer alguma coisa à volta da tangerina. Já tínhamos um cocktail com sumo de tangerina e pensei em reutilizar as cascas, juntamente com alguns outros sabores que tinha na cabeça. Sempre tive a curiosidade de combinar frutas com uma parte mais floral. Daí também o Gomo Ten ter água de flor de laranjeira. Depois, foi só ajustá-lo à competição.

[Breve descrição do Gomo Tem]
A tangerina é o ingrediente que se destaca no cocktail criado por João Costa, a que se junta água de flor de laranjeira. Com as cascas fez um cordial e juntou-lhe vermute seco. No final, três gotas de azeite coloridas de verde, dão mais cor e uma agradável untuosidade à bebida.

Demorou muito tempo imaginar este cocktail?
Depende muito. Este, em específico, tive alguma facilidade até porque, no concurso, partimos de um cocktail clássico, adicionamos alguma coisa que o modifique para torná-lo único. É muito fácil criar alguma coisa a partir dessa base. Depois, vem com a experiência. Não foi muito difícil de o fazer.

Já tive um cliente norte-americano que me desafiou a criar um cocktail que faça lembrar o Porto

Como foi vencer o World Class Portugal 2022?
Foi superinteressante. Comparando com o futebol é ganhar a Champions League desta área. Todos querem participar e ganhá-la. Já tinha concorrido em 2019, com aquele espírito de ver como é, para depois ir pensando em participar mais a sério. Aconteceu este ano. Tive tempo, as condições proporcionaram-se. O concurso começou com 50 inscritos, passaram 14 às semifinais. Foi aí que apresentei, pela primeira vez, o Gomo Tem. Depois, passaram seis à final. Aí, havia três desafios diferentes. Escolhi a cereja para trabalhar e manipulá-la. Houve ainda o speed round (fazer seis coktails clássicos em seis minutos) e, depois, um último challenger, com uma caixa onde tínhamos alguns produtos para criar, em 30 minutos, qualquer coisa e apresentá-la ao júri. Até ao fim, tive aquela sensação: ‘correu bem, mas poderia ter corrido melhor’. Todos vão com o espírito de ganhar. Este ano, calhou-me a mim.

Nunca pensou em criar um cocktail Porto?
Por acaso não, mas já tive, aqui, um cliente norte-americano que me desafiou a criar um cocktail que faça lembrar o Porto. As pessoas apaixonam-se pela cidade. Não deixa de ser uma reinterpretação que fazemos do sítio. Pode ser um desafio, quem sabe.

Pegando nessa ideia, o que é o Porto para si?
Boa pergunta. Não tenho uma definição. Para mim, é a melhor cidade do mundo. Vamos a pé para todo o lado. Depois, somos muito bairristas. Os turistas gostam desta nossa maneira de ser.

[a cidade] Está diferente, para melhor

Que recordações tem da cidade?
As cascatas sanjoaninas no Bonfim, os natais na casa dos meus avós (na Rua Pinto Bessa).

Como está, atualmente, a cidade?
Não há comparação possível. Está diferente, para melhor. Depois de dois anos difíceis, por causa da pandemia, há cada vez mais pessoas na rua, novos espaços a abrir. É sempre bom porque fixa a população. É bom para quem está e para quem nos procura, porque há mais oferta e com grande qualidade. Estamos no bom caminho e a crescer.

Como está a noite no Porto?
Está a melhorar, com espaços para todos os públicos. Muito comercial, sobretudo para a malta jovem, mas, fruto desta dinâmica, há novos espaços que possibilitam ter uma maior oferta para públicos variados.