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Conversas Sub 30: "O Porto tem um equilíbrio muito especial", reconhece o jovem cenógrafo Pedro Azevedo

  • Paulo Alexandre Neves

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Filipa Brito

Cenógrafo e figurinista, Pedro Azevedo nasceu, no Porto, em 1996. Vencedor, este ano, da quarta edição do Prémio Revelação Ageas Teatro Nacional D. Maria II (TNDM), recorda a Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo (ESMAE), onde se licenciou, em Teatro, na variante de Cenografia, Serralves, "um sítio que, de alguma forma, me acompanhou nas diferentes fases da vida", confessa, e o Teatro Municipal, que, no início de carreira, "foi importante". Desde 2016 que desenvolve projectos conjuntos com Guilherme de Sousa, com quem fundou, em 2019, a estrutura artística Bluff, com trabalho para palco que vai do teatro à dança, passando pela performance e a instalação.

Porquê cenografia e figurinismo?
Sempre gostei bastante de teatro e das artes performativas, de um modo geral, mas, na verdade, gostava também das artes visuais. Sempre estive muito indeciso com o caminho a seguir. Acabei por descobrir na cenografia, os figurinos só vieram depois, uma espécie de lugar intermédio entre as artes visuais e as artes performativas. Porque a cenografia acaba por estar muito ligada à instalação, à escultura.

Precisamente pelo teu trabalho como cenógrafo foste, este ano, o vencedor da quarta edição do Prémio Revelação, atribuído, anualmente, pelo Teatro Nacional D. Maria II.
Foi uma coisa muito inesperada. Não estava, de todo, a contar. Foi uma surpresa agradável. Funciona como uma espécie de empurrão para continuar. Porque, às vezes, acho que esta profissão tem o seu lado desgastante e nem sempre é devidamente valorizada. Este prémio foi fundamental para dar esse reconhecimento e que, à partida, estou a fazer um trabalho certo, válido e que é para continuar. É um bocado assim que vejo este prémio porque quero mesmo interiorizar isso, ou seja, não elevar demasiado as expetativas com este reconhecimento. É um prémio que destaca jovens criadores, pelo que há muita coisa pela frente a fazer e que podem mudar muito. É um incentivo para continuar e, ao mesmo tempo, manter os pés bem assentes na terra.

O que procuras nos teus espetáculos?
Há duas vertentes: trabalho como criador e encenador e, por outro lado, com outros criadores e encenadores. Quando faço o meu trabalho, em dupla com o Guilherme de Sousa, há uma linguagem, que está muito ligada à vida quotidiana, à procura da beleza das coisas, aparentemente normais, e objetos que todos reconhecemos no nosso dia-a-dia e que os colocamos em palco e damos uma nova abordagem. Quando estou com outros criadores é necessário fazer uma adaptação à sua linguagem, que, muitas vezes, é muito diferente da minha. Procuramos um lugar intermédio entre a minha visão artística e a do outro criador. É um trabalho bastante desafiante.

É impossível fazer teatro sozinho

Como é a relação com os atores?
De um modo geral relaciono-me muito bem com as equipas com quem trabalho. Gosto bastante de fazer teatro por causa disso mesmo. Ou seja, esta ideia de que, para fazer teatro, é preciso estar muitas pessoas, todas juntas, a procurar um sentido comum para o trabalho. Essa interação com as pessoas é uma das coisas que mais me agrada. É impossível fazer teatro sozinho. Dou-me muito bem a trabalhar em conjunto.

Em 2019, decidiste, conjuntamente com o Guilherme de Sousa, criar a Bluff. Que projeto é esse?
Originalmente, teve um sentido mais burocrático. Isto não é a coisa mais agradável de se dizer, mas a verdade é que é necessário haver uma associação que seja capaz de dar resposta aos processos e logística, que estão por detrás dos espetáculos. Foi quase uma necessidade financeira, logística, técnica. Pretendemos que ela cresça e consigamos trabalhar com o máximo de pessoas, com o foco no nosso trabalho, enquanto criadores, e de outros que se aproximem dele. Foi criada em dezembro de 2019. Estávamos cheios de ideias, vontade e, passado três meses, com a pandemia, parou tudo. Foi um passo atrás, mas, agora, vamos retomar os projetos.

Há toda essa carga burocrática que vai para além do estar um palco?
Não é nada fácil porque isso não consta no plano curricular das escolas. Esta dá-nos um lado mais pressuroso do trabalho, o dos processos de criação, mas há também o outro lado, mais burocrático, que ninguém nos ensina e que vamos aprendendo com a ajuda de pessoas que já cá estão há mais tempo, que nos vão dando uma certa tutoria. Eu e o Guilherme de Sousa tivemos a sorte de pertencer aos jovens artistas associados do Teatro Municipal do Porto. Foi fundamental para nos dar essa espécie de aconselhamento, de como começar a fazer as coisas. Ninguém nos ensina isso nas escolas. O trabalho não acontece sem essa parte. Desenganem-se as pessoas que acham que fazer teatro é só estar numa sala de ensaio ou num palco.

O Teatro Municipal é um parceiro fundamental na coprodução dos nossos trabalhos

Até que ponto foi e é importante o apoio do Teatro Municipal?
No início de carreira foi importante. Os pequenos empurrões foram importantes para estarmos no sítio onde, atualmente, nos encontramos. Agora, é um parceiro fundamental na coprodução dos nossos trabalhos. É muito bom apresentar os nossos trabalhos no Porto, no Teatro Municipal, que tem uma equipa com quem já estou habituado a lidar.

Ainda que com uma curta carreira, mas que projeto te marcou mais até hoje?
Um dos mais desafiantes foi o "Finissage", apresentado em janeiro do ano passado, no aniversário do Rivoli. Justamente porque apanhou a pandemia, foi o nosso primeiro projeto apoiado pela DGArtes - Direção Geral das Artes, com um elenco bastante numeroso. Um grande desafio em vários sentidos: muitas pessoas, ensaios desfasados, um processo que durou quase dois anos, muitos entraves, por causa, sobretudo, da pandemia.

A tua formação foi feita na Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo (ESMAE).
De um modo geral, a escola acaba sempre por ser um lugar de extremos. Aprendi imenso na ESMAE, mas também tive alguns problemas. Temos de ser capazes de filtrar a nossa experiência académica e tirar o melhor de nós próprios. No cômputo geral aprendi ali muito, com alguns professores.

Serralves acompanhou-me nas diferentes fases da vida

Que recordações de infância tens do Porto?
Nasci no Porto, mas, depois, cresci, até aos meus 18 anos, em Santa Maria da Feira. Vinha ao Porto com os meus pais, quase todos os fins de semana. Vínhamos ao cinema, a Serralves ou passear pela zona das praias. Nessa altura, o Porto era sempre um lugar de lazer.

Houve sempre um ambiente cultural familiar propício para, depois, escolheres essa área?
Curiosamente, nunca fui muito de ir ao teatro. Os meus pais vinham sempre ao cinema ou ver exposições. Houve essa sensibilidade na minha educação, o que foi muito importante.

Porquê a escolha de Serralves para esta entrevista?
Sempre foi um sítio que, de alguma forma, me acompanhou nas diferentes fases da vida. Comecei por vir cá com os meus pais, mais tarde com a escola, em visitas de estudo e workshops, e, depois, com apresentação de trabalhos. Volto, agora, com o DDD – Festival de Dança. É um lugar que me é muito querido.

[Integrado na 7.ª edição do DDD – Festival de Dança, que está a decorrer em vários locais da cidade, Pedro Azevedo & Guilherme de Sousa vão apresentar, em Serralves, dias 29, às 19h30, e 30, às 17h00, o seu mais recente espetáculo, "Karpex"]

O Porto tem uma escala incrível

Trabalhar no Porto é gratificante?
É trabalhar em casa. Essa sensação é ótima. Aqui sei onde ir, a quem recorrer, pedir ajuda. Quando trabalhamos fora do Porto, de repente, não sabemos onde encontrar um serralheiro ou alguém que costure uma peça. Aqui estamos em casa e, nela, estamos mais felizes.

Que avaliação fazes, atualmente, do ambiente cultural na cidade?
O Porto está numa fase áurea. Há muita oferta, que não se cinge apenas aos teatros e locais municipais. Há uma série de outros locais, mais fora do panorama geral, que também tem essa preocupação. Há muita gente a querer fazer muitas coisas no Porto. Isso é muito bom. Temos uma oferta cultural mais convencional, institucional, como são os teatros municipais, nacional ou até Serralves, mas também em espaços mais alternativos. É muito bom viver este tempo, em que há vontade de fazer coisas na cidade.

O que é o Porto para ti?
É o sítio onde me sinto mais confortável. Quando saio daqui fico sempre com a sensação de que tem imensos problemas, mas é onde, efetivamente, gosto de estar. Tem uma escala incrível. Tem um equilíbrio muito especial.