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Conversas Sub 30: Irmãs Carminda e Maria R. Soares destacam o Porto como cidade “acolhedora para jovens artistas”

  • Paulo Alexandre Neves

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Filipa Brito

A entrevista decorre no estúdio da Companhia Instável, no Teatro Municipal Campo Alegre. É aqui que desenvolvem o seu trabalho, em conjunto ou individualmente. Carminda Soares e Maria R. Soares são bailarinas e jovens criadoras. Irmãs gémeas confessam que usaram essa condição como potência porque, “às vezes, é difícil entrar no meio artístico”. Optaram pela dança em vez da escrita e não se arrependem. No Porto encontraram “o lugar da possibilidade”, uma cidade “de experimentação, de possibilidade de errar” e de "acolhimento para jovens artistas e não só".

Por algum momento nas vossas vidas profissionais, os gostos divergiram?
Carminda Soares (CS): Obviamente crescemos juntas. Temos gostos similares. Acabamos por enveredar pelo mesmo percurso profissional, mas, claro que sim, cada uma de nós vai-se moldando, tendo experiências e gostos diferentes, não estando, muitas vezes, em sintomia. Faz parte.
Maria R. Soares (MRS): Crescemos e fomos partilhando muitas coisas juntas. De alguma forma, os interesses mais gerais, pela dança, performance, pela arte em geral, sempre coincidiram. Estávamos muito sincronizadas. Fomos crescendo e, de alguma forma, existem períodos em que os gostos, em relação à estética e aos conceitos, não estão tão sincronizados e outros em que estamos em uníssono. Vai variando de período para período.

Pergunto isto porque não é normal, nesta como em muitas outras áreas, irmãs gémeas estarem a trabalhar juntas. Ou é?
CS: Usámos a nossa condição gemelar como potência porque, às vezes, é difícil entrar no meio artístico. Nos últimos anos tivemos um projeto em comum, de criação e autoria [peça de dança “It’s a long yesterday”, apresentada no Teatro Municipal do Porto, em março de 2021]. Ultimamente, temos vindo a seguir um percurso mais individual, a criar projetos autorais com outros artistas. Estamos a descobrir-nos de outras formas, como autoras.
MRS: Não nos limitamos pelo facto de sermos duas. Essa questão dos gémeos acontece muito porque cada um tenta encontrar o seu espaço, procuram vias, trabalhos separados. No nosso caso tentamos encontrar a nossa individualidade no meio artístico porque é o que faz sentido para as duas. Não nos limitamos por sermos gémeas.

Na área artística é muito difícil ter críticas sinceras

São críticas do trabalho uma da outra?
MRS: Às vezes, na área artística, é muito difícil ter críticas sinceras e honestas, que, de alguma forma, não te boicotem. É preciso ter críticos que sejam muito bons, sinceros, mas também que não te puxem para baixo. Normalmente, sempre que quero uma crítica sincera, que me motive para continuar, é sempre com a Carminda que falo. Naturalmente, falo com mais pessoas, porque também é importante ter uma visão mais geral e com diferentes leituras, mas é com ela que converso.
CS: Nos processos de criação, sobretudo no meu próprio trabalho, que envolvem muita frustração e persistência, é sempre muito importante ter um olhar, uma opinião externa. Apoiamo-nos muito uma na outra. Estamos sempre muito atentas ao trabalho uma da outra, guiando ou motivando quando é necessário. Conhecemos as forças e fragilidades uma da outra, podendo ser mais assertivas.

Como foi, em ambiente familiar, perceber que as duas iam pelo mesmo caminho?
CS: O facto de enveredarmos pelo mesmo caminho foi, relativamente, bem recebido. Já quanto à área artística não foi, inicialmente, tão bem recebida, mas isso também nos deu força para estarmos juntas. Apoiamo-nos uma à outra, no sentido de que seria possível fazê-lo. Não houve uma grande surpresa. Já íamos trocando experiências em comum. Na nossa infância e adolescência sempre fomos muito criativas. Houve sempre esta coisa de dançar, ler, escrever, pintar, mas nunca foi levado, no contexto familiar, como uma profissão. Não vimos de uma família onde a área artística seja considerada uma profissão possível. É algo muito distanciado. Essa parte foi a mais difícil de gerir, mas, agora, é um assunto resolvido.

Acabamos por descobrir a dança, que ultrapassou a vontade pela escrita

Imaginavam em crianças ser outra coisa que não artistas?
CS: Sobretudo na infância, a escrita era quase um projeto assente que iria acontecer. Muito mais do que a dança ou a performance. A escrita era quase uma coisa que iria fazer em adulta. Na adolescência, acabamos por descobrir a dança, que ultrapassou essa vontade pela escrita. Agora, tento também ter um trabalho interdisciplinar e multidisciplinar, com cruzamento com a escrita. Tenho um mestrado em literatura, acabando por usar todas as potencialidades que sinto que são possíveis explorar.

Neste momento em que fase estão as vossas carreiras artísticas?
CS: Estou, essencialmente, em circulação com os meus projetos autorais. Mais com o meu último projeto – “Simulacro” –, criado em parceria com a artista Margarida Monteny. Nesta fase, o processo autoral leva-me a pensar sempre no próximo projeto. Provavelmente, ainda este ano, haverá um outro em que serei mais intérprete.
MRS: Cada vez mais, os meus projetos de criação começam a ganhar maturidade. Sinto-me mais segura como criadora. Vou estrear, no Teatro Campo Alegre (dias 18 e 19 de fevereiro), o projeto “Void, Void, Void”, uma performance coreográfica e sonora, em colaboração com o músico António Marotta. O nosso tempo é dedicado, ao máximo, a este projeto. Continuamos também em circulação com o “It’s a long yesterday”.

Porquê a escolha deste local – estúdio da Companhia Instável, no Teatro Campo Alegre – para esta entrevista?
MRS: Em primeiro lugar, porque estou cá em residência para o novo projeto. O meu tempo é passado aqui. Um projeto que tem a coprodução da Companhia Instável. Também porque é um lugar que, recorrentemente, esteve e está presente nos nossos percursos artísticos. A nível formativo chegámos a fazer aqui, em 2016, a Formação Avançada em Interpretação e Criação Coreográfica da companhia. Depois, vários dos nossos projetos de criação foram apoiados pela “Instável”. É um espaço de trabalho que está muito presente nas nossas vidas. Ao mesmo tempo, o Teatro Municipal do Porto, seja como estrutura que apoia os nossos projetos seja como audiência, porque é lá que vejo vários espetáculos que me inspiram, que ficam marcados. É um lugar que fazia sentido para esta entrevista.

É muito importante sair do nosso mundo

Que opinião têm sobre o atual momento cultural que se vive na cidade?
MRS: As coisas foram crescendo. Pode ser uma perspetiva, porque também as nossas carreiras foram crescendo. Perde-se a noção se foram crescendo só para nós ou para todos. Ainda assim sinto que existem mais projetos a acontecer na cidade e com mais jovens artistas. É bom que isso esteja a acontecer. O objetivo é ainda mais potencializar o início das carreiras dos jovens artistas.
CS: Os últimos anos foram de grande evolução e desenvolvimento artístico. Atualmente, é uma cidade de muito acolhimento para jovens artistas e não só. Artistas no geral, sobretudo de experimentação artística, de apresentação e difusão. É muito bom ver o Porto assim. É bom saber que posso estar aqui e fazer o meu trabalho. É bom saber que grande parte do meu trabalho está aqui ou parte daqui. É o melhor para as pessoas que cá vivem e para os artistas.

São espetadoras assíduas de espetáculos na cidade?
CS: Completamente. Esse é o nosso hobby favorito. Acaba por ser uma fonte de trabalho, estudo, inspiração de outros colegas. Quem está em processos de criação autoral sabe o quão importante é ir ver e observar o outro. A ideia de que estar fechado num sítio nos ajuda a criar não é totalmente correta. É muito importante sair do nosso mundo, do nosso bunker e ir ver coisas, experimentar outras realidades, perceber outros pontos de vista também para influenciar o nosso trabalho.
MRS: Nós, artistas, temos o trabalho artístico individual, mas depois é interessante pensar o trabalho como um coletivo. Aquilo que a cidade faz. Qual é arte que por cá se faz? Para fazer parte deste coletivo é preciso ir ver e conhecer.

Enquanto autoras e intérpretes há algum espetáculo que vos tenha marcado?
CS: Sinto que o meu trabalho é muito biográfico. O processo de escolha é sempre muito difícil. “Simulacro” é o projeto mais próximo da realidade presente, mas outros há que também são importantes e especiais porque marcam partes e momentos da minha vida. Por exemplo, “It’s a long yesterday” era muito sobre a nossa relação, esta condição gemelar. Os outros projetos partem sempre do momento em que estou. É muito difícil esse projeto de escolha.
MRS: É sempre o projeto do agora que é o mais importante.

O Porto inspira-vos?
CS: Muito. Todo o coletivo artístico inspira-nos muito. São base essencial para aquilo que, atualmente, fazemos. Como está feito agora, uma cidade de experimentação, de possibilidade de errar, de distribuição, é uma grande ajuda para a construção do meu próprio trabalho e a forma como vejo o meu próprio trabalho.

O que é o Porto para cada uma de vocês?
CS: Neste momento é a casa.
MRS: É o lugar da possibilidade. É o que me permite fazer aquilo que gosto.