Sociedade

Conversas Sub-30: “Há um crescimento cultural gigantesco no Porto”, garante Vítor Silva Costa

  • Paulo Alexandre Neves

  • Notícia

    Notícia

fib_Vitor_Silva_Costa_ator.JPG

Filipa Brito

Já foi, no teatro e nos ecrãs, Gabriel, Leonardo, Afonso, Joaquim, António e muito mais. Vítor Silva Costa nasceu no Porto, a 5 de maio de 1992. Concluiu o Curso de Interpretação da Academia Contemporânea do Espetáculo (ACE) e, por isso, a conversa não poderia ter ocorrido noutro local da cidade. Tem vindo a ser presença assídua no pequeno ecrã, participou em alguns filmes, e trabalha, regularmente, com os coletivos de teatro Sillyseason, Teatro Praga e Os Pato Bravo. Ao mesmo tempo que trabalha, frequenta a Escola Superior de Teatro e Cinema – Ramo de Atores.

Foi aqui, na ACE, que tudo começou?
É verdade. Nada foi programado, nem muito pensado. Foi mais um impulso, muito irracional, vir fazer as provas para a escola, em 2009. Não tenho nenhuma ligação artística na família, nunca tive ambição ou desejo de ser ator ou trabalhar como tal. Mas as coisas começaram a fazer sentido.

A Academia ajudou-o a descobrir a sua vocação?
Não vim com grandes expetativas.

Foi, na altura, um escape?
Sempre admirei atores, mas nunca pensei em trabalhar como tal. Estava naquela fase, meio delicada e cinzenta que os jovens passam, que é decidir o que fazer no final do 12.º ano e entrada na faculdade. Não sabia muito bem o que fazer. Ocorreu-me voltar para trás na escolaridade, voltar ao 10.º ano na Academia. Havia também uma amiga [Sara Barros Leitão], que estudava aqui e me falava muito bem da escola. A partir do momento em que consegui entrar, as coisas mudaram muito na minha vida. Para além das ferramentas que nos dá, como ator, a Academia foi fundamental para a minha formação humana e postura no trabalho. A formação numa escola artística dá-nos essa base de liberdade no pensamento, existindo uma ligação com as pessoas, que é muito relevante. Tenho muitos amigos, que eram da minha turma, e que não exercem a profissão, mas têm uma postura social, humana e política muito interessante, porque a Academia dá-nos isso.

“[A Academia Contemporânea do Espetáculo] foi fundamental para a minha formação humana e postura no trabalho”

É essa diferença que nota, eventualmente, em colegas que não tenham essa formação de escola artística?
Não obrigatoriamente. Tenho muitos colegas e amigos que não têm formação em teatro, cinema ou televisão e que exercem a profissão muito bem. Mas acredito que, a longo prazo e de forma consistente, a escola consegue-nos sustentar quando estamos mais frágeis. Porque nos sustentamos naquilo que fomos construindo ao longo do tempo, naquilo em que acreditamos, no nosso trabalho e caminho profissional. A escola ajuda-nos a falhar enquanto estamos aqui para que, quando isso acontecer lá fora e no trabalho, estejamos mais bem preparados.

Como era o Porto nessa altura?
Era diferente e não sei se era para melhor ou pior. Foi essa uma das razões que me fez sair daqui. Experimentar coisas novas, outros universos, conhecer outras pessoas. Sinto que, então, era um Porto culturalmente asfixiado. Na minha perspetiva, muito por responsabilidade daquilo que foi acontecendo, nesta área, nos anos anteriores. Hoje, passados tantos anos, há um crescimento cultural gigantesco. Das pessoas que cá estão e fazem acontecer e das que vêm ao Porto, de propósito, para ir ao teatro, ao cinema, ver espetáculos. Isso deve-se às pessoas que trabalham aqui, mas também à Câmara Municipal, que procura trabalhar nesse sentido. O Porto foi conquistando, ao longo dos últimos anos, alguma oferta e muita procura. É isso que sinto quando cá venho e faço-o muitas vezes.

Que impacto teve na sua vida o ter de sair daqui?
Fui mesmo à descoberta. Fiz provas na Escola Superior de Teatro e Cinema, do Conservatório Nacional, porque queria continuar a minha formação num outro lugar. Sabia muito bem o queria, mas reconheço que teve um enorme impacto, em termos pessoais, mais do que de trabalho. Foi um choque. São 300 quilómetros de distância. Tinha cá a minha família e lá não tinha ninguém, a não ser os amigos que fui fazendo. Nos dois primeiros meses tive alguma vontade de regressar, mas as coisas começaram, rapidamente, a fluir.

Hoje, é um ator conhecido do público geral. Isso deve-se ao êxito ou à consistência da sua carreira?
Sem dúvida, muita consistência. Estou em Lisboa há oito anos e, nos últimos cinco, houve muita consistência na minha carreira. Isso deve-se muito a esta Academia, no Porto, e à formação que levamos daqui. A consistência não foi imediata. Estive dois anos a estudar e a fazer outras coisas que não teatro. E, de repente, consegui trabalhar com companhias de teatro e produtoras de televisão e cinema e ganhar alguma consistência na minha carreira.

Algum dia poderemos vê-lo a trabalhar no Porto?
Claro que sim. Quando faço um espetáculo em Lisboa pergunto logo: quando é que vamos estreá-lo no Porto? Antes da pandemia, estive no Teatro Municipal do Porto – Rivoli, em 2019, com o Teatro Praga e a peça “Worst of”.

“Sempre que faço teatro no Porto é diferente”

Há diferenças entre os teatros de Lisboa e do Porto?
Não posso dizer o contrário. Há diferenças, quanto mais não seja pela memória. Vivia no centro da cidade, saía da escola, ia jantar e logo a seguir ao teatro, quatro, cinco vezes por semana. Foi muito exaustiva essa experiência coletiva, de ir com colegas de turma, professores. Em Lisboa é diferente, porque a minha realidade também é diferente: uma perspetiva de profissional que vai ao teatro ver os colegas e só o que lhe interessa. Sei uma coisa, sempre que faço teatro no Porto é diferente.

Tem necessidade de voltar sempre às suas origens, por exemplo de escolher a ACE para esta entrevista?
Não sei se é por saudosismo, pelo velho cliché de nunca esquecer de onde é que viemos. Preciso de vir porque me sinto sempre de cá. Não sei muito bem o que isto significa, mas é uma questão emocional. Estou feliz em Lisboa, mas voltar aqui é sempre confortável. Gosto de senti-lo e preciso disso.

Numa palavra, o que é para si o Porto?
É luz. Gosto muito desta luz cinzenta que o Porto tem. É muito misteriosa. Não a encontro em muitos sítios. Ainda não encontrei nenhum lugar como o Porto. É fascinante.