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Conversas Sub 30: “Há toda uma magia que a Academia consegue devolver à cidade", sublinha a presidente da FAP, Ana Cabilhas

  • Paulo Alexandre Neves

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Filipa Brito

Foi reeleita, no final do ano passado, para um terceiro mandato como presidente do organismo máximo de representação dos estudantes da Academia do Porto. Já tinha sido a primeira mulher a ser reconduzida no cargo. Natural de Albergaria-a-Velha, distrito de Aveiro, Ana Gabriela Cabilhas é licenciada em Ciências da Nutrição pela Faculdade de Ciências da Nutrição e da Alimentação da Universidade do Porto (FCNAUP). Reconhece que há abertura, por parte do Município, “em ver os estudantes como parte da solução” e que o seu exemplo pode, quando muito, “servir de inspiração”.

O Porto foi a sua primeira opção aquando da candidatura ao Ensino Superior?
Ela não foi determinada pela escolha de uma cidade. Tinha uma grande ambição: o de entrar em Medicina, mas não consegui. As opções seguintes já estavam relacionadas com a cidade e, mais especificamente, com a Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto (FCNAUP). Não foi a primeira opção, mas foi uma cidade pela qual me acabei por apaixonar. Olhando para trás, não me arrependo porque acabei por viver um conjunto de experiências que, se calhar, de outra forma não as teria vivido. Estou a prosseguir com o mestrado, mas os quatro anos de licenciatura foram muito, muito ricos.

O envolvimento no associativismo estudantil não prejudicou os seus estudos?
Acabei a licenciatura nos quatro anos. Durante dois fui presidente da Associação de Estudantes da Faculdade. Com a FAP, a história mudou. Estou num cargo com outro nível de exigência, que requer um acompanhamento e atividade diária. Tenho de coordenar 27 associações de estudantes federadas, ser uma voz ativa, sempre atenta, ter uma postura reivindicativa, seguir o dia-a-dia das instituições e o que se vai passando no nosso país. Por isso, tenho o meu mestrado congelado, nomeadamente a parte da tese. Irei terminar. Tenho esse objetivo. Mas isto não é um tempo desperdiçado porque é quase uma licenciatura em associativismo. Aprendi muito fora do contexto de sala de aula.

Como apareceu este gosto pelo associativismo?
Queria ter outro tipo de experiências, que não apenas o tirar uma licenciatura. Na altura, vim sozinha para o Porto. Era uma estudante deslocada. Senti que me faltava algo mais quando terminavam as aulas. Queria envolver-me na participação da faculdade. Via muito atentamente o papel que as associações de estudantes desempenhavam, bem como os grupos de voluntariado. Acabamos por nos ligar às instituições e à cidade de uma outra forma. Sinto que tenho alguma vocação, mas, acima de tudo, espírito de missão, ou seja, contribuir para o bem-estar de uma comunidade, acompanhá-la, dar-lhe voz. Aos dias de hoje, estas funções realizam-me.

Este terceiro mandato vai servir para preparar a FAP para o futuro

Como foi a sua primeira candidatura à presidência da FAP?
Já estava na direção da FAP, em plena pandemia. Olhava para toda a realidade e havia uma grande vontade, da própria Academia, em resistir a todas as vicissitudes que estávamos a viver. Conhecia-a antes, estava a vivê-la durante a pandemia e, por isso, surgiu essa vontade. Achei que era a minha vez de conseguir liderar os destinos da Federação, em contexto especialmente desafiante. São estes desafios que nos colocam à prova. Tinha a missão e o dever de mostrar que a Academia ia continuar a estar unida e preparar o futuro. Havia um conjunto de grandes desafios para dar resposta.

Que motivação encontra para um terceiro mandato?
São mandatos diferentes porque os contextos também são diferentes. O primeiro foi num contexto limitado de pandemia. Foi um mandato para mostrar que estávamos a conseguir resistir a um cenário mais negro e que, acima de tudo, os jovens tinham uma postura ativa e positiva. O segundo, que terminou recentemente, foi diferente porque coincidiu com o retomar da vida da Academia. Trouxe um conjunto grande de desafios. Havia também uma nova direção de dirigentes. Este terceiro mandato vai servir para preparar a FAP para o futuro. Prometeram-nos várias coisas, inclusive que comportamentos e formas de estar iriam mudar na Academia e no país. Havia uma expetativa de que iríamos entrar numa nova fase, mais aberta à mudança, outro tipo de pensamento, mais virado para o futuro. No entanto, sinto que a Academia ainda está paralisada, resistente à mudança. Por outro lado, há também projetos por concretizar, como por exemplo, a residência na Rua da Bainharia.

Vai ser um mandato mais reivindicativo?
Sim, por tudo o que já referi. Estávamos na expetativa de que iríamos ter algumas mudanças. Os estudantes e a FAP não estão alheados daquilo que são os desafios para o futuro. Seremos mais reivindicativos na qualidade das políticas de educação e juventude. É preciso que os decisores políticos falem mais aos jovens e isso não tem acontecido. Ganhámos espaço à mesa de discussão, mas não podemos ficar apenas pela auscultação. É preciso concretizar as políticas.

Há abertura, por parte do Município, em ver os estudantes como parte da solução

Uma das suas reivindicações prende-se com o alojamento estudantil.
No início do ano, em setembro, junto dos estudantes e das famílias experienciamos a falta de alojamento. É, sem dúvida, um dos principais entraves para a frequência do ensino superior. Quando um estudante escolhe uma instituição do Porto fá-lo pelo seu prestígio, como eu o fiz, mas pretende também que as condições sejam ajustadas aos rendimentos da sua família. Embora tenhamos as promessas no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e das camas que estão previstas, o horizonte temporal é até 2026. Por isso, há ainda uma preocupação em relação ao próximo ano letivo. É que, desde 2018, se fala na falta de alojamento e da rede pública de alojamento, ao nível da ação social.

A FAP tem alguns projetos em conjunto com a Câmara Municipal. Que avaliação faz?
Há um trabalho muito próximo com a vereação responsável pelo pelouro da Juventude. Reconheço que há abertura, por parte do Município, em ver os estudantes como parte da solução. O melhor retrato disso é a responsabilidade, atribuída à FAP, da residência na Rua da Bainharia. Vem trazer a própria Federação para outro patamar de atividade e, no fundo, a própria estrutura desafiar-se e reinventar-se a ela própria. Depois, há outros projetos, como o Pólo Zero, o “FAP no Bairro”, que continua a apostar num apoio importante à comunidade. E, depois, uma confiança, que, no ano passado, ficou bem cumprida durante a Queima das Fitas. Há toda uma magia que a Academia consegue devolver à cidade. São projetos de sucesso e bem concretizados ao longo do tempo.

Há mais ideias para o futuro nesta relação com a autarquia?
Há outra dimensão que queremos desenvolver e que passa pelo desporto universitário. Temos a organização dos campeonatos académicos do Porto, que envolvem mais de dois mil estudantes. Pretendemos que haja uma maior proximidade, apoio, valorização e envolvimento da cidade na promoção desportiva no ensino superior.

O meu exemplo, quando muito, pode servir de inspiração

É a primeira estudante não só a ser reconduzida no cargo como a fazer três mandatos consecutivos à frente da FAP.
O terceiro mandato é atribuído pelo reconhecimento do trabalho que tem vindo a ser desenvolvido, com uma voz sempre presente por parte da FAP. Dentro da Academia há um contexto que, felizmente, deve ser sublinhado: há cada vez mais mulheres a ocuparem cargos e lideranças nas associações de estudantes. O meu exemplo, quando muito, pode servir de inspiração. A nossa geração dá mais mensagens positivas relativamente às lideranças.

Com tanto tempo ocupado ainda dá para conhecer a cidade?
Excelente questão. Realmente tenho muito pouco tempo disponível e o pouco que tenho passo-o com a minha “família” de cá. Os meus amigos, fruto do curso e do associativismo. O tempo livre passa, sobretudo, por passeios nos jardins do Palácio, ir até à Ribeira.

Cativa-a?
Vim de uma pequena cidade. Foi descobrir todo um mundo novo: organização, recursos disponíveis, transportes, espaços verdes, oferta cultural. Atrações que não encontrava onde nasci e cresci. Apaixonei-me por toda a agitação. Olho-a com um olhar de uma eterna estudante. Ficará associada a um período marcante da minha vida. É uma cidade da liberdade, reivindicativa.

O que é o Porto para si?
É o sentimento preenchido por todas as vivências e memórias de estudante. É a Academia, as nossas capas de estudantes, os lugares, com por exemplo a Estação de S. Bento. As recordações das viagens de Aveiro para o Porto, mas também a descida da Rua dos Clérigos na Queima. É muito fácil apaixonarmo-nos pela cidade.