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Conversas Sub 30: "Estou integradíssima no Porto", confessa a artista ucraniana Alla Kravchenko

  • Paulo Alexandre Neves

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Filipa Brito

Alla Kravchenko nasceu há 30 anos em Odessa. Por lá continua a sua avó, com quem cresceu e que admira por muitas razões. Uma delas é a resiliência perante os tempos de guerra. Admite ter saudades da sua terra natal, mas sente-se integrada no Porto. Independente desde cedo, foi construindo a sua identidade, sempre ligada às artes. Criou a sua própria marca: Nutró, palavra que remete para a Ucrânia.

Fala-me um pouco de ti, da tua infância…
Cresci em Odessa, cidade ucraniana, situada na região do Mar Negro. As minhas recordações são de praia, do quentinho. Vivíamos numa casa com quintal. Por isso, estava sempre aí, com a minha avó materna, com quem tenho uma ligação muito forte. Os meus pais foram pais muito cedo e acabou por ser ela quem me educou. Ainda hoje, ela é dada a trabalhos manuais, seja tricot, bordados, costura. Acabou por me passar o gosto. Vivi na Ucrânia até aos 12 anos. Não foi assim tanto tempo. Curiosamente, já levo mais tempo de permanência em Portugal que na Ucrânia.

Porquê Portugal?
Não foi uma escolha minha. Os meus pais emigraram quando tinha oito anos. Na altura, a vida na Ucrânia não era muito boa e vieram à procura de um futuro melhor. Escolheram Portugal, penso que por causa do meu padrinho e da minha madrinha, que já viviam cá. Foi a ligação que tiveram para não estarem muito desamparados e logo num país novo. Vieram viver para a zona centro (Anadia). Passados quatro anos foram-me buscar. Não foi uma escolha minha emigrar. Na altura custou-me porque tinha lá toda a minha vida.

Como aparece o Porto na tua história?
Sai de casa muito cedo. Tinha 16 anos. Estudei em Coimbra, vivi na Lousã e, depois, vim para cá. Porquê o Porto? A Lousã tinha um ambiente rural, que gostava muito, mas sentia a falta de pessoas criativas à volta. Tinha 19 anos, era artista e queria um ambiente mais criativo. Entre Porto e Lisboa, a escolha foi fácil. Identifiquei-me muito mais com o Porto, porque, apesar de ser uma grande cidade, as pessoas são mais afáveis, têm mais à vontade. Lisboa era demasiado capital. Isto tem 10 anos e não me arrependo.

Estás integrada?
Estou integradíssima no Porto.

Sou teimosa de mais para seguir cânones artísticos

Falaste, já por diversas, da tua avó materna. É a tua fonte inspiração?
Definitivamente. Em termos de resiliência é muito forte. Está sozinha na Ucrânia, mas é uma mulher muito desenrascada. Faz tudo. Acho que aprendi com ela a ser assim também.

O que significa Nutró, palavra que remete para a Ucrânia?
É um termo idêntico em russo e ucraniano. É algo interno. Levo mais a palavra para o sentido metafórico, de algo interno, como se fosse a intuição. Como o meu trabalho artístico é muito intuitivo achei que nutró descrevia bem tudo aquilo que faço.

Ou seja, é de ti mesmo que vem a inspiração sem seguires qualquer cânone?
Sou teimosa de mais para seguir cânones artísticos. Por isso é que não fui para a faculdade.

A guerra [na Ucrânia] marcou-me imenso

Imagino que a guerra alterou por completo a tua vida. Quanto mais não seja na ânsia de saber que os teus e quem tu conheces estão bem.
A guerra marcou-me imenso. Passado mais de um ano já lido melhor com a questão, apesar de deixar sempre um nó na barriga. Estou há um ano e meio à espera de poder ir lá. Parece que nunca é o momento seguro, nem a minha avó quer que eu vá. Curiosamente, estive lá não muito antes da guerra começar, em setembro de 2022 [o conflito teve início em fevereiro de 2023]. No início, era muito difícil porque me sentia inútil. Era-me difícil conviver com as pessoas. Fechei-me um pouco, durante meses, sempre a ver notícias. Cheguei à conclusão que não era saudável porque estás sempre a ver aquilo, mas não podes fazer nada. Mantenho constante contato, via internet, com a minha avó. Saber que ela está bem ajuda-me.

É fácil gerir essa distância?
Atualmente tento não pensar nisso. No início dava comigo a pensar que se acontecesse alguma coisa há minha avó não iria conseguir lidar com a situação. Neste momento tento apenas abstrair-me. Ela ajuda-me porque é muito menos emocional que eu. Em vez de ser eu a dar-lhe força é o contrário. Ela gosta que eu lhe mande imagens dos meus passeios pelo Porto e não só. Ainda recentemente enviou-me vídeos de viagens e disse-me: ‘estou aqui sentada no sofá a viajar’.

Como vês o apoio, já manifestado publicamente, por muitos portuenses a favor da Ucrânia?
Há uma comunidade muito grande de ucranianos em Portugal e também aqui no Porto. Agora, associam-nos à guerra, mas, antigamente, muitos portugueses tinham trabalhado ou convivido com ucranianos e já, então, falavam de nós com carinho. No geral, tinham sempre boa opinião dos ucranianos. Por isso, foi fácil os portuenses, e os portugueses em geral, identificarem-se com os ucranianos porque é uma cultura que conhecem, fruto dessa ligação havida nos últimos anos.

Adoro as pessoas do Porto

E voltar para Odessa está fora de questão?
Na viagem que fiz em setembro de 2022 foi a primeira vez, em 17 anos de Portugal, que pensei se poderia voltar a lá morar. Fiz um estudo de terreno e de mercado. Estava a ponderar, mas, em termos de cultura, também já estou muito diferente. Estou mais habituada a estar aqui. A língua materna já me custa, às vezes, um bocado. Maior parte dos habitantes de Odessa são russo falante. Já é muito complicado, em termos cognitivos, gerir toda a situação quanto mais mudar toda a língua que aprendeste. Claro que pondero sempre um dia voltar. Uma tia disse-me que tenho estes pensamentos porque não fui eu que escolhi vir embora. Parece que fiquei sempre com aquela falta. Tenho imensas saudades de Odessa.

O Porto já te inspirou para a elaboração de algum dos teus produtos?
Inspira-me a arquitetura da cidade. Fiquei apaixonada por esta sala, transformada em estúdio, porque o Teatro Nacional São João [ali ao lado] faz-me lembrar Odessa. A arquitetura da minha cidade é, maioritariamente, francesa e italiana. Aqui, adoro a mistura de azulejos sujos com a modernidade. A cidade tem uma certa vida, uma alma, uma história muito bonita. Adoro as pessoas do Porto. Falam com sinceridade.

O que o Porto para ti?
É uma mistura. Por exemplo, quando vou a Lisboa canso-me. Chego ao Porto e parece que voltei há minha 'aldeia'. Aqui ainda dá para sentir o aconchego das pessoas.