Política

"Confusão à portuguesa" na recolha de votos ao domicílio para as presidenciais

  • Notícia

    Notícia

#mno_urna_voto_01.jpg

O presidente da Câmara do Porto dirigiu uma nova carta à diretora-geral da Saúde, em que reitera as preocupações sobre o envolvimento dos municípios na recolha de votos antecipados de pessoas em confinamento, para as eleições presidenciais. Rui Moreira já tinha enviado uma primeira missiva em novembro, que ficou sem resposta. Segundo a Lei Orgânica aprovada pelo Parlamento, compete às autarquias preparar as operações de votação, mas a DGS não indica quais os procedimentos a tomar para reduzir os riscos de transmissão. Vai ser uma "confusão à portuguesa", prevê.

O autarca está prestes a deitar a toalha ao chão. Da Direção-Geral da Saúde [DGS] apenas recebe um inquietante silêncio sobre o pedido que formulou, há quase um mês, acerca das orientações que devem ser passadas aos municípios, para que as “operações de votação”, previstas na Lei Orgânica n.º3/2020, decorram dentro da normalidade possível.

À primeira linha da segunda carta que dirige a Graça Freitas em menos de um mês, Rui Moreira sinaliza que, “sem surpresa de maior”, não recebeu qualquer resposta ao ofício anterior, “porque o desrespeito pelo poder autárquico tem marcado, indelevelmente, a atuação dessa direção-geral”, faz notar.

Com as eleições presidenciais agora marcadas para dia 24 de janeiro de 2021, o presidente da Câmara do Porto está preocupado com o sucesso da operação, que exige uma capacidade de resposta dos municípios incompatível com recursos de que dispõem, avisa. “Não sei, confesso, como poderemos agilizar os votos dos muitos eleitores (provavelmente muitas centenas neste município) que estarão em casa, em confinamento obrigatório”, refere na missiva enviada à DGS.

Mas não é a diretora-geral da Saúde a única destinatária em falta às cartas de Rui Moreira. Cerca de um mês antes de o diploma ter sido aprovado pela Assembleia da República, em meados de outubro, o autarca dirigiu um ofício ao Presidente da República em que procurava “apelar e sensibilizar” Marcelo Rebelo de Sousa para as fragilidades do processo legislativo então em curso: da ausência de orientações sobre os cuidados a ter com as pessoas que constituem as equipas que estão incumbidas de recolher os votos antecipados; de como será feita a necessária proteção e desinfeção de todos os participantes na tarefa (o diploma apenas sinaliza a necessária desinfeção e quarentena dos sobrescritos); da capacidade instalada para entrega e recolha dos votos em apenas dois dias, por parte dos serviços de saúde e das forças de segurança; se é suficiente a publicação de um edital para a comunicação do dia e hora da visita da equipa aos cidadãos eleitores; da imprevisibilidade que será se cada candidatura indicar um delegado.

“Poderemos prever uma ‘invasão’ do domicílio do eleitor por uma dezena de pessoas. Será razoável atendendo ao contexto epidemiológico?”, pergunta o autarca ao Chefe de Estado Português, na mesma carta que expressa ainda “o mais veemente protesto por, mais uma vez, tentarem fazer dos eleitos municipais meros tarefeiros, condenando-os a uma função que nem a um humilde carteiro se poderia atribuir”.

E Rui Moreira não se ficou por aqui. Dois dias depois da aprovação do diploma, a 13 de novembro (na mesma data em que envia a primeira carta a Graça Freitas), remete também um ofício para o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita. Para o responsável pelo MAI, as questões endereçadas foram de ordem mais operacional. “Domicílio a domicílio, quem deverá assumir a responsabilidade da operação? Falamos da responsabilidade de saúde pública, técnica e financeira?”, indagou.

“Caso não seja possível formar as necessárias equipas, e estamos a falar em dezenas de equipas, quer por indisponibilidade de recursos humanos, quer por confinamento, quer pela sua recusa para exercer funções que não se enquadram com as suas tarefas, poderemos solicitar esses recursos ao MAI?”, pergunta que, até hoje, ficou igualmente sem resposta.

Recolha de votos antecipados só em dois dias

Só no domingo anterior às eleições é que as câmaras municipais são notificadas de quantas pessoas requereram o voto antecipado, com deslocação ao domicílio e na circunstância de estarem infetadas ou em isolamento profilático. A partir daí, resta apenas uma semana (cinco dias úteis) para o desenvolvimento de uma complexa operação de logística.

“Na terça e quarta-feira, dias 19 e 20 de janeiro, teremos que efetuar a recolha dos votos presenciais. Se, por hipótese, cada equipa conseguir recolher 10 a 15 votos por dia, teremos de constituir dezenas de equipas formadas por mim ou por quem me represente, por um agente da PSP e, desejavelmente, um elemento da autoridade de saúde, além dos representantes das candidaturas”, assinala Rui Moreira, na carta que enviou ontem, dia 3, a Graça Freitas, destacando alguns dos deveres que a Lei orgânica imputa aos presidentes de câmara.

Entregues à sua sorte, pela Lei que regula o “regime excecional e temporário de exercício de direito de voto antecipado para os eleitores que estejam em confinamento obrigatório, no âmbito da pandemia da doença COVID-19, em atos eleitorais e referendários a realizar no ano de 2021”, os presidentes de câmara são tidos ainda como fiéis depositários dos votos antecipados.

Para Rui Moreira, a bizarria da Lei, vai ao ponto de “durante a quarentena, os sobrescritos com os votos encontram-se à guarda do presidente da câmara municipal, que zela pela respetiva segurança”, pode ler-se no n.º3 do artigo 9.º da Lei Orgânica n.º3/2020.

Ingredientes de sobra para que o episódio decorra “com a habitual confusão ‘à portuguesa’”, palavras de Rui Moreira que o Expresso também reproduz na sua edição desta sexta-feira.