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Câmara do Porto pede urgência ao Governo na criminalização do consumo de drogas junto a escolas

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O Executivo municipal endereçou ao Governo, na reunião pública desta segunda-feira, diversos apelos “com carácter de urgência”, no sentido de legislar pelo “agravamento da criminalização do tráfico de estupefacientes e a criminalização do seu consumo na via pública, agravado quando ocorra nas proximidades de escolas, hospitais, parques infantis ou espaços de lazer.”

O assunto foi abordado no período antes da ordem do dia, na sequência de uma proposta de recomendação subscrita pelo movimento Rui Moreira: Aqui Há Porto, que considerava prioritária a investigação do crime de tráfico de estupefacientes, bem como “outras medidas no âmbito da legislação de combate à droga.”

“Que determine o agravamento da sanção nos casos de consumo em edificações devolutas, espaços privados abertos ao público e outros que tenham sido sujeitos a restrições no âmbito de uma medida especial de polícia”, foi outro dos apelos feitos pelos vereadores da Câmara do Porto, que esperam igualmente que o Ministério da Administração Interna determine o tráfico de estupefacientes como um “crime de investigação prioritária, nos termos da lei de política criminal.”

A proposta foi aprovada com o voto contra do BE e CDU. “A questão da droga nos seus impactos tem três vertentes: social, de saúde, e uma outra, que é uma vertente securitária. Se na questão social e da saúde estamos a falar de uma determinada população e, no limite, nas pessoas que com elas convivem diariamente, há uma outra vertente, a securitária, em que a nossa maior preocupação tem de ser os danos colaterais: a vizinhança. Aqui, a função que tem vindo a ser desenvolvida relativamente a este problema tem sido claramente negligenciada”, lamentou o presidente da Câmara do Porto, considerando o tráfico um “flagelo social”.

O “tráfico de droga na zona da Pasteleira e Pinheiro Torres, sobretudo, preocupa-nos a todos”, concordou o vereador do PS, Tiago Barbosa Ribeiro. “Do ponto de vista da segurança pública, muito tem sido feito: 1859 ações policiais naquela zona, mais de 137 operações de prevenção criminal. Foram apreendidas milhares e milhares de doses das diferentes drogas. Isso está a ser feito pela polícia, podendo sempre, obviamente, fazer-se mais”, acrescentou.

“À vista de todos”

Em resposta, Rui Moreira lamentou que “os instrumentos legais disponíveis não são suficientes”. “O tráfico está à vista de todos. Esta legislação favorece inteiramente o tráfico. O consumo na via pública para mim é um enorme problema, pelos riscos associados. Neste momento o direito ao sossego e à tranquilidade não está a ser acautelado, portanto temos de mexer na lei”, frisou.

“O PSD revê-se numa cidade em que este tipo de práticas tem de ser inibido. Quanto mais fácil for consumir e traficar, mais apetecível vai ser fazê-lo na via pública. Quando temos esta realidade aos olhos da cidade, quando ela afeta famílias, residentes, crianças que vão para a escola e se deparam diariamente com estes temas, temos de tomar medidas urgentes”, corroborou Vladimiro Feliz.

A vereadora Maria Manuel Rola, do BE, manifestou discordância em relação à proposta de recomendação: “Existem dados que comprovam que uma abordagem com base na saúde é muito mais eficaz que aquela que vem aqui explícita. Esta é uma questão bastante complexa, que merece uma discussão aturada e deveria estar fundamentada na lei e nos direitos humanos de todas as pessoas.”

“Para mim, isto é acima de tudo um atentado ao pudor. Temos uma política social muito ativa nesta matéria. Por exemplo o Joaquim Urbano, para onde foram encaminhadas algumas destas pessoas, as que quiseram. Nenhuma era da cidade do Porto, portanto dizer que o problema tem a ver com o Aleixo é, objetivamente, mentira”, respondeu Rui Moreira, lembrando a operação recente de desmantelamento e limpeza de um acampamento ilegal associado ao consumo de droga na zona da Pasteleira.

Ilda Figueiredo, da CDU, alertou que “o problema do consumo de droga não pode ser desligado das causas sociais que aí estão, dos problemas que estamos a viver”. “É necessário ver outras medidas. Pôr o SICAD (Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências) a funcionar rapidamente. Que se aplique a legislação, que já considera que o tráfico deve ser devidamente tratado e naturalmente condenado. Deve ser uma prioridade, isso está na lei. Defendemos a melhoria dos meios e uma aposta no combate ao grande tráfico e à alta criminalidade que lhe está associada. Essa é a questão central”, disse.

Primeiro trimestre da sala de consumo vigiado

Antes da discussão, tinha sido apresentado ao Executivo municipal o primeiro relatório trimestral de execução do programa de consumo vigiado, com dados relativos ao período entre 24 de agosto e 30 de novembro de 2022.

Sublinhando serem ainda “dados preliminares”, Carlos Nunes, presidente da Comissão de Implementação, Acompanhamento e Avaliação desta resposta social, lembrou que “as salas de consumo vigiado são estruturas que pretendem reduzir riscos, assegurar condições de higiene e segurança. Trata-se de uma experiência-piloto, estamos numa fase ainda muito inicial.”

“Entre 24 de agosto e 30 de novembro de 2022 tivemos 616 utilizadores admitidos. O número total de consumos foi 8112, para uma média de consumos diários de 82. Dos 616 utilizadores, 82% são do género masculino, e 97% de nacionalidade portuguesa. O grupo dos 40 aos 55 anos representa mais de metade da população que frequenta esta estrutura”, assinalou o também presidente do conselho diretivo da Administração Regional de Saúde do Norte.

Carlos Nunes notou ainda que existe uma “prevalência de consumos por via fumada/inalada, com um valor percentual de 71%, em comparação com os 29% encontrados para a via injetada.”

O mesmo responsável vincou ainda a importância das iniciativas de educação para a saúde desenvolvidas no quadro do programa de consumo vigiado: “O objetivo é reduzir em 50% o consumo na via pública. Foram feitas 178 intervenções individuais, sete sessões em grupo de educação para a saúde e de boas práticas no consumo fumado e injetado. Foram entregues pelos utilizadores 17.384 agulhas e seringas”, congratulou-se o médico.

“Estamos a fazer uma experiência-piloto. Menos de 50% dos utilizadores são do Porto. Estamos a provocar migrações desta população por causa desta resposta”, alertou Rui Moreira.

Globalmente, os resultados mereceram elogios dos vereadores. “O resultado que aqui nos traz demonstra que valeu a pena e precisamos de caminhar mais”, disse Ilda Figueiredo. “Este é um sucesso que preferíamos que não existisse, mas é um sucesso inequívoco. É um caminho a aprofundar”, concordou Tiago Barbosa Ribeiro. “Os números demonstram bem a necessidade desta sala de consumo assistido, bem como toda a educação para a saúde”, afirmou Maria Manuel Rola.

Pelo PSD, Vladimiro Feliz considerou o período em análise “muito curto”. “Mas, obviamente, é uma resposta a ser acompanhada. Este tipo de soluções não prescinde de uma forte aposta de prevenção e tratamento posterior para a vida ativa destes utilizadores”, acrescentou.