Educação

Câmara do Porto equaciona providência cautelar para travar transferência de competências na educação

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O prazo de 1 de abril para a transferência de competências na educação, comunicado à Câmara do Porto pela Direção de Serviços da Região Norte da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares, foi debatido na reunião privada de Executivo desta segunda-feira. À unanimidade no Conselho Metropolitano de Vereadores, que sugeriu o adiamento do processo, poderá vir a somar-se uma providência cautelar para travar a transferência, admitiu o presidente da Câmara do Porto.

Em declarações aos jornalistas, no final da reunião, Rui Moreira foi taxativo: “Vamos pedir aos nossos advogados para olharem para essa matéria, sobre a possibilidade de, através de uma providência cautelar, fazer aquilo que pretendemos, que corresponde ao sentimento unânime de todos os vereadores da educação no conselho metropolitano do Porto, onde a maioria é do partido do Governo, do PS.”

A questão foi debatida no Conselho Metropolitano de Vereadores/as da Educação de 9 de março, com uma posição unânime a sair da reunião: “Todos são favoráveis à transferência de competências para os municípios na área da educação, e todos se manifestaram disponíveis para implementar este processo, tendo realçado que ele potencia a proximidade entre município e comunidade escolar, que contribui para uma maior adequação das medidas implementadas em cada contexto, e para uma maior qualidade e eficácia dos serviços prestados às escolas e aos seus alunos/as. Contudo, consideram não estarem reunidas as condições para a sua efetivação”, podia ler-se no memorando.

“Propõe-se que seja ponderada uma prorrogação do prazo para a efetivação da transferência, até estarem reunidos os pressupostos necessários e essenciais para que decorra sem comprometer o normal funcionamento dos estabelecimentos escolares, e sem condicionar o exercício das competências e atribuições dos municípios”, acrescentava o documento, sugerindo fazer coincidir a eventual prorrogação do prazo de efetivação da transferência de competências com o início do próximo ano letivo 2022/2023, para não gerar constrangimentos e não condicionar o regular e normal funcionamento do ano letivo em curso.

"Não estamos a falar de descentralização nenhuma”

“Depois de reiteradamente termos chamado a atenção para esta situação, depois de haver um consenso metropolitano sobre esta matéria, acabamos de receber uma carta do senhor diretor regional a dizer que no dia 1 de abril os funcionários são nossos, e no dia 1 de abril está feita a descentralização. Eu bem sei que é dia das mentiras, mas a verdade é que isto demonstra que não estamos a falar de descentralização nenhuma”, lamentou o autarca.

Sentido idêntico tinha uma nota informativa remetida pela Direção-Geral das Autarquias Locais, na qual se assinalava que a transferência de competências para os órgãos dos municípios e das entidades intermunicipais no domínio da educação “opera ope legis [por força da lei] em 31 de março de 2022, i.e., sem dependência de qualquer formalidade adicional.”

Rui Moreira reiterou que “isto não é descentralização nenhuma, é apenas a tarefização dos municípios. É claramente subverter o princípio do equilíbrio financeiro que estava proposto logo no início. Aquilo que nos tinham dito é que nós iríamos ficar com competências mas iriamos receber o cheque respetivo – não vamos receber.”

Um estudo de avaliação do impacto financeiro da transferência de competências, encomendado pela Câmara do Porto à Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, aponta para um “encargo adicional” na ordem dos 16,2 milhões de euros com a educação. O maior encargo corresponde a recursos humanos, seguindo-se as refeições e requalificação dos estabelecimentos escolares.

“Já percebemos que a descentralização não existe. Os presidentes de câmara tomam posição, os vereadores da educação tomam posição, toda a gente explica esta posição, e depois há um senhor diretor regional – sem culpa nenhuma, que apesar de tudo está num nível intermédio do Estado – que recebeu ordem de Lisboa a dizer ‘ponha lá essa gente na ordem’. Para isto não queremos descentralização nenhuma, isto é centralismo puro e duro, do mais duro que nós podemos assistir. É quase insultuoso”, acusou.

Carta para o primeiro-ministro

“Não nos podem impor a nós, Município do Porto, nem aos outros municípios, que, contra a nossa vontade, assumamos uma fatura que não sabemos como havemos de pagar. O dinheiro que gastarmos nisto vamos deixar de gastar naquilo que precisamos”, vincou ainda Rui Moreira, que no início de março dirigiu uma carta ao primeiro-ministro, em conjunto com o presidente da Câmara de Lisboa, na qual alertavam para as dificuldades e inconsistências do atual modelo de descentralização e propunham uma revisão integral do modelo de descentralização, avaliando a possibilidade de determinadas competências serem exercidas ao nível das associações de municípios.

“O Estado está a lavar as mãos daquilo que são as suas competências fundamentais. Como não tem dinheiro para manter o Estado social, quer atirar isto para as câmaras. E as câmaras, como são no fundo a frente que está em contacto com os cidadãos, vão-se ver aflitas. Se para uma câmara como a do Porto isto é preocupante, reparem nos territórios de baixa densidade”, disse ainda o autarca, dando conta da preocupação de outros presidentes de câmara: “Há dias falava com o presidente da Câmara de Sintra, Basílio Horta, que me disse que na questão da saúde, que é uma tragédia, ele não vê como a Câmara de Sintra, que tem mais população do que o Porto, vai conseguir desempenhar aquela tarefa com a verba que lhe é destinada.”

Este processo representa “a destruição do modelo de descentralização”, frisou Rui Moreira. “É a tentativa de o Estado central demonstrar aos cidadãos que a descentralização e a regionalização são más. É isto que eles estão a fazer, o truque é conhecido. Eu sou completamente a favor da descentralização: a STCP é um bom exemplo de descentralização, porque somos nós que decidimos tudo. Aí sim, é normal que o município se empenhe. Num centro de saúde não vamos decidir coisa nenhuma. E, no entanto, vamos pagar uma fatura sem receber o dinheiro”, acrescentou.

“Alijar responsabilidades”

Assim, a apresentação de uma providência cautelar será o próximo passo. “Primeiro temos de ver se a providência cautelar é aceite por um juiz. Se um juiz determinar que há uma providência cautelar, veremos o que o Estado pode fazer. Pode usar o modelo da resolução fundamentada, e aí nós temos de obedecer. Mas ficará claro, pelo menos, que isto é uma ordem do Estado, não é nenhuma benesse para os municípios, não é descentralização nenhuma. É, pura e simplesmente, alijar responsabilidades, que é o que eles têm feito. Como já não têm dinheiro, passam para os municípios”, concluiu Rui Moreira.

A vereadora da CDU, Ilda Figueiredo, também falou no final da reunião privada de Executivo desta segunda-feira, sublinhando que a sua força política “sempre considerou inaceitável a forma como o Governo está a tentar transferir para os municípios encargos que ainda por cima não são acompanhados de verbas necessárias para que esses serviços sejam adequados e correspondentes às necessidades dos cidadãos.”

“Toda a comunidade é atingida, porque se a câmara vai gastar mais com estes encargos, deixa de ter esse dinheiro para dar resposta aos munícipes naquilo que é competência da câmara. Nós queremos a regionalização, mas uma verdadeira regionalização, não uma transferência de encargos da administração central para os municípios”, vincou.

Pelo BE, Sérgio Aires lamentou que se esteja “numa corrida contra o tempo, de uma forma totalmente insensata” e alertou para as “consequências com esta pressão que está a ser feita, com uma espécie quase de autoritarismo, face ao poder local na execução de tarefas. Não há sequer tempo para as fazer em condições.”

“Temos um problema sério, e não é só o facto de não haver recursos financeiros suficientes. É também o modelo, e a forma como vai ser feito. Neste caso concreto, não há condições nenhumas para o fazer bem feito. A pressa de consolidar o processo é um braço de ferro. Querem insistir num processo que vai, seguramente, contra as pessoas”, criticou o vereador bloquista.