Economia

A cidade que sempre foi do comércio quer discuti-lo para fortalecer uma relação única

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Há uma espécie de caça aos cavalos-marinhos entre as paredes e os objetos à venda na Araujo & Sobrinho. Um sinal de boa sorte, acreditam os ingleses que ali procuravam os exemplares trazidos das viagens do proprietário, um símbolo de força e persistência, acredita a mitologia e talvez comprove a realidade. A papelaria com quase dois séculos de existência, com histórias dentro da própria História, foi um dos locais escolhidos para uma imersão promovida pelo Fórum do Comércio do Porto, organizado, pela primeira vez, pelo Município.

A Araujo & Sobrinho nasceu em 1829 pela mão do trisavô de Miguel Araújo como armazém de papel. Cresceu em espaço e importância, na que sempre esteve entre as mais comerciais artérias da cidade. Por entre burgueses, intelectuais e estudantes de belas artes, ali "convivia toda a gente, algo muito portuense, que só podia acontecer nesta cidade", sublinha a escritora portuense Minês Castanheira.

Miguel Araújo é já a quinta geração (já aí estão a sexta e a sétima) e viu – e fez – a papelaria crescer, mas voltar à dimensão original com a entrada de "novos parceiros que nos alugaram o edifício e fizeram um hotel", da qual se tornou, reforça o proprietário, "o ex-libris". Por entre as estantes, no entanto, nem tudo se vende, algumas "relíquias" foram oferecidas por antigos funcionários e são apenas para apreciar.

Uma loja feita de cidade e que a viu renascer

A escolha pela loja ao fundo da Rua das Flores coube a Minês Castanheira e é simples de acompanhar: "é um espaço emblemático porque encerra, em si, tanto no edifício, como na natureza do projeto, aquilo que é a história da própria cidade".

A escritora acredita mesmo que "um espaço como este, que sobrevive a um cerco, à guerra civil, ao regicídio, à implantação da República, a todas as transformações que aconteceram ao longo dos séculos, e àquilo que foi esta transformação operada pelo fluxo turístico, mantendo a sua raiz, adaptando-se, mas preservando a sua essência, é um excelente exemplo para outros projetos comerciais da cidade".

Imergir no passado e investir no futuro

Além da Araujo & Sobrinho, o Fórum do Comércio do Porto levou participantes e curiosos a conhecer as histórias da Chocolataria Equador e da Ferragens Fermoura. A bússola, segundo o vereador das Finanças, Atividades Económicas e Fiscalização, rege-se pelos conceitos de participação, imersão, "mas, sobretudo, de ligação que o comércio tem com a cidade".

"O mais importante é o que as lojas representam do ponto de vista de cidade, o que é elas deram à cidade e o que é que receberam dela", considera Ricardo Valente.

O responsável pelo comércio na cidade acredita que o Porto, "do ponto de vista do seu valor marca-cidade, vive muito daquilo que é o caráter identitário que a experiência destas lojas é capaz de dar a todos que aqui vêm, que é uma experiência única e levarem daqui uma lembrança que é, também, única, se calhar tão ou mais importante do que os pontos turísticos".

Ricardo Valente reforça que "o Porto sempre foi a cidade do comércio, o sítio onde as pessoas vinham fazer as suas compras". E quer voltar aí, com a ação no presente e o pensamento já a imaginar o futuro. E, para isso, é essencial a discussão trazida pelo fórum, que teve lugar, durante dois dias, no Palácio da Bolsa, naquilo que o vereador considera "um grande momento" e que contou com o testemunho de exemplos de Barcelona ou da Galiza.

"Temos que discutir os novos temas: a digitalização, como é que conseguimos diferenciar o comércio de proximidade, de rua, do outro comércio, e também como é que as cidades podem ganhar com o comércio do ponto de vista de posicionamento, daquilo a que chamamos o marketing territorial, como é que as cidades podem vender-se como pontos de comércio", explica Ricardo Valente.

O comércio em discussão e aprendizagem

Certo da necessidade de trazer esta atividade, de novo, para a agenda política, o vereador assegura que o Município "procura ter uma política de proximidade" com o setor, nomeadamente com programas como o Porto de Tradição, mas também através de investimento na capacitação e formação dos comerciantes e de iniciativas de dinamização, mas "quer queiramos, quer não, de certo modo, o comércio é esquecido, perdeu muita importância económica".

Também Minês Castanheira sublinha a relevância de iniciativas como esta e de como "discutir a cidade é bom, discutir o seu comércio também, porque está provado que as pessoas têm muito para dizer e temos muito para aprender uns com os outros e porque há um património que é preciso preservar".

A escritora considera "necessário que as decisões que se tomem sejam a pensar no futuro. Só é possível fazer isso olhando para o passado, não com nostalgia, mas atribuindo-lhe a importância que ele tem e os ensinamentos que tem para nos dar". "Isto é o Porto", diz. O que valoriza, discute e investe em si próprio.