Política

Rui Moreira defende que o Plano de Recuperação e Resiliência devia ser “mais territorializado”

  • Isabel Moreira da Silva

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O presidente da Câmara do Porto defendeu ontem à noite, na Mealhada, que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) deveria “ter sido mais territorializado e reconhecer melhor a dicotomia que existe no país”, não só em relação à interioridade, mas fundamentalmente no que respeita às periferias dos centros urbanos. Rui Moreira desmistificou esta e outras ideias feitas e avisou que o limite temporal para execução dos projetos, até 2026, é “bastante curto”.

O autarca, que participou no debate “O futuro dos municípios após a pandemia”, promovido pela Câmara Municipal da Mealhada, quis deitar por terra o mito de que o país a duas velocidades se joga no campo litoral-interior. “Onde hoje se vive pior é nas periferias das áreas metropolitanas. É claramente onde existem mais problemas e isso é preciso dizê-lo”, afirmou Rui Moreira.

“Há mais abandono escolar, violência doméstica e desemprego de longa duração”, enumerou o presidente da Câmara do Porto, para referir que estas deviam ser prioridades do Plano de forma “a reequilibrar territorialmente o país”.

Rui Moreira, que evitou entrar no tema da regionalização – “não podemos confundir o que está em jogo com a reorganização político-administrativa do país” – considerou, contudo, que o PRR devia entender melhor “a necessidade de territorialização”, e que claramente lhe “falta essa componente”.

Por outro lado, adiantou, há um excesso de confiança de que o Plano de Recuperação e Resiliência vai alterar o paradigma do país. “Não vai”, disse categoricamente o autarca, desfazendo “mais um mito”, no debate moderado pela jornalista Fátima Campos Ferreira, em que participou a convite do presidente da Câmara da Mealhada, Rui Marqueiro, anfitrião da iniciativa que juntou ainda o presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina.

Segundo Rui Moreira, o PRR tem também um “limite temporal bastante curto”, até 2026, manifestamente insuficiente para concretizar projetos estruturais, em que privilegiaria a recapitalização das empresas e da indústria. “Se não têm coisas bem pensadas e bem concebidas, esqueçam. Não vai valer a pena”, sublinhou para destruir, desta vez, “o mito de que estamos perante um plano de longo prazo”.

Opinião partilhada pelo homólogo de Lisboa, que colocou o ónus do “grande desafio” do lado dos municípios, considerando que só se sairá bem “quem tem projetos para apresentar e executar”, ainda que reconheça que os estudos e projetos que levam tempo.

Aliás, na ponta final da conversa, que atravessou as principais áreas que norteiam “as estratégias de futuro das cidades” – com Rui Moreira a dar o exemplo do Porto em opções ligadas a uma mobilidade mais sustentável, à formação de comunidades energéticas, à aposta na “nova indústria” da economia local, alicerçada nas empresas de base tecnológica e importadora de mão-de-obra qualificada jovem, que, por sua vez, demanda habitação a preços acessíveis perto do local de trabalho –, foi na questão da burocracia e dos entraves que causa ao desenvolvimento e à economia das cidades que os oradores se detiveram, cada um com as suas reclamações.

“Leis absurdas” travam investimento público

Rui Marqueiro partilhou que teve “duas obras paradas por providências cautelares mais de oito meses”, por causa dos “efeitos suspensivos” que envolvem.

Com a Lei da Contratação Pública a ser a grande visada pelas dificuldades criadas ao cumprimento dos respetivos programas eleitorais, Fernando Medina deu como exemplo os projetos de habitação acessível do Município de Lisboa. “Em primeiro lugar, lanço um concurso para fazer um projeto; posso demorar quatro, cinco meses, para lançá-lo”, ao qual se segue um período de tempo semelhante para adjudicar o projeto. “Depois disso, há o tempo de fazer o projeto, e de seguida o projeto das especialidades. A seguir, é preciso lançar o concurso da empreitada, sendo quase obrigatório ir por preços mais baixos, e não o farei em menos de cinco, seis meses”. Na fase seguinte, continuou o autarca de Lisboa, “ainda posso ter contestações, concursos vazios, impugnações. E já passaram dois anos da história”, contabilizou.

No Porto, Rui Moreira expôs uma situação que enferma de outros vícios, também eles relacionados com a condição legal a que os municípios estão vinculados na realização de obra. “Continuamos sujeitos a um conjunto de critérios por entidades consideradas mais ou menos independentes, que hoje mandam mais do que tudo”, constatou.

No dossiê de construção da nova ponte sobre o Douro, acordada com o Município de Gaia, o tiro de largada acabou por ficar preso a uma decisão de um técnico da Agência Portuguesa do Ambiente, que considerou que a travessia tinha de ficar a uma cota mais elevada, “por haver risco de cheia”, recordou o presidente da Câmara do Porto.

“Tivemos de se refazer todos os estudos para elevar a ponte dois metros acima, e os encaixes já vão ser diferentes”, explicou Rui Moreira, dizendo que não compreendeu como uma só pessoa, cuja decisão não foi alvo de escrutínio, decidiu que não se podia construir uma ponte à mesma cota da ponte de Luís I, num vale até mais aberto, e que estudos mais antigos, do engenheiro Adão da Fonseca, apontavam como a localização ideal a ligação às duas margens ribeirinhas, na zona da Quinta da China, do lado do Porto, com Oliveira do Douro, do lado de Gaia.

“As decisões acabam por ser condicionadas por leis absurdas”, concluiu o presidente da Câmara do Porto.

Assista ao debate, aqui (a partir de 1:08:00).