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TAP faz desaparecer discretamente a Portugália que custou 140 milhões

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A STCP passou a ter gestão municipal e os novos autocarros já estão a chegar

Miguel Nogueira

A Portugália custou
ao Estado 140 milhões de euros, pagos há oito anos ao BES. Desaparece a 27 de
março e os seus voos serão entregues à privada White sob a designação TAP
Express, sem qualquer capital público envolvido e sem a avaliação da Autoridade da Concorrência. Enquanto isso, o Porto perde 70%
dos seus voos TAP e o número de lugares disponíveis em rotas como Madrid ou
Genebra baixa radicalmente, além de Roma, Milão, Bruxelas, Barcelona e Londres
verem frequências reduzias a zero ou parcialmente.


 


O negócio de privatização e reversão parcial da privatização
em curso na TAP encerra vários, assuntos por explicar, que se relacionam com a
chamada "ponte aérea" entre o Porto e Lisboa, com que a TAP pretende drenar os
habituais passageiros de voos internacionais do Aeroporto Francisco Sá Carneiro,
para o da Portela. E que têm também a ver com a redução radical da oferta entre
o Porto e quase todas as cidades europeias onde a TAP assegurava o serviço.


Com efeito, a 14 de janeiro deste ano, Fernando Pinto, o
presidente executivo da TAP, anunciou o desaparecimento da marca Portugália, comunicando,
simultaneamente, a criação de uma nova marca designada TAP Express.


Anunciou também, que essa seria a nova marca a usar na
operação regional, anteriormente operada com os seis Fokker 100 e os oito
Embraer ERJ-14 da Portugália. Foi igualmente comunicado que a TAP Express
usaria novos aviões, mais eficientes e modernos, que poderiam ser da companhia
brasileira Azul, detida por David Neeleman, sócio privado da Atlantic Gateway
(que adquiriu 61% a TAP no processo de privatização). Os aviões em causa são,
por exemplo, os ATR 72-600, a hélice, que serão usados na "ponte aérea", que
começa a ser operada a 27 de marco. Estes aviões, embora fiáveis e seguros,
demoram mais a fazer o voo, além dos pilotos da TAP não possuírem ainda, na sua maioria, formação para
os pilotarem.


Contudo, há muito por explicar neste negócio que requer um
recuo até à génese da Portugália e à sua integração da TAP.


 


BES VENDEU PORTUGÁLIA
À TAP POR 140 MILHÕES


A PGA - Portugália Airlines foi criada em 1988 e começou a
operar em 1990, em voos internacionais de Lisboa e Porto, predominantemente
para cidades de Espanha, França e Marrocos. Em 2001, foi reconhecida pela
Skytrax, como Melhor Companhia Aérea Regional da Europa, título que manteve até
2007, ano em que foi integrada na TAP Portugal como companhia subsidiária de
cariz regional, passando a fazer, predominantemente, voos entre Lisboa e o
Porto e ligações de médio curso a partir, sobretudo a partir do Porto.


Os voos que a TAP anunciou recentemente pretender suprimir a
partir do Porto, bem como alguns outros que a TAP não comunicou mas que também
vai suprimir ou onde vai baixar o número de lugares disponíveis, são quase
todos operados pela Portugália, nomeadamente para Roma, Milão, Barcelona e
Bruxelas (anunciados), mas também o voo noturno de Londres/Gatwick (ultimamente
já a ser operado pela TAP) e a rota de Madrid, que passa a ter muito menos lugares
disponíveis, como brevemente divulgaremos, embora a TAP nunca o tenha anunciado, à
semelhança do voo noturno de Gatwick e do voo noturno de Lisboa, agora já
retomado após as denúncias de Rui Moreira. Alguns dos voos que atualmente são operados pela TAP, com Airbus, passarão a ser operados, nos próximos meses, pelos atuais aviões da Portugália, os Focker e Embraer, que assim mantêm, afinal, a sua operação, diminuindo em muito o número de passageiros transportados desde o Porto nas rotas não descontinuadas, como explicaremos em posterior artigo.


 


AUTORIDADE DA
CONCORRÊNCIA PREVENIU "PONTE AÉREA" EM 2007


O anúncio da aquisição da Portugália foi feito pela TAP a 6
de Novembro de 2006, Mas só em junho de 2007 a transportadora nacional e
pública e a Espírito Santo International, empresa do Grupo BES, puderam
concretizar o negócio de 140 milhões de euros, depois da Autoridade da
Concorrência ter autorizado a compra, mediante o cumprimento de um conjunto de
condições (remédios) e após ter aberto e concluído uma "investigação
aprofundada", por considerar que "a operação de concentração em causa é suscetível,
à luz dos elementos recolhidos, de criar ou reforçar uma posição dominante da
qual possam resultar entraves significativos à concorrência efetiva no mercado
nacional ou numa parte substancial deste".


Entre as condições então impostas por esta entidade, estava
a utilização exclusiva dos horários de voo entre Lisboa e Porto, detidos pela
TAP e considerados "direitos históricos" da companhia de bandeira portuguesa.


Para isso, a TAP teve que assumir um conjunto de
compromissos perante a Autoridade da Concorrência, nomeadamente a cedência de
"slots" (oportunidades de voo) aos concorrentes, no trajeto Porto - Lisboa;
Lisboa - Funchal e Porto - Funchal. A Autoridade da Concorrência estava, por
isso, preocupada com a concentração da operação na rota Porto - Lisboa. Ou
seja, estava preocupada com a possível criação de uma "ponte aérea".


Uma das obrigações impostas foi, por isso, a TAP
"comprometer-se a não aumentar o número de frequências oferecido na rota
Lisboa-Porto por um período de seis estações IATA, a contar do momento em que
um novo operador inicie operações nesta rota".


Estes compromissos foram assumidos pela companhia, numa declaração que
apresentamos em anexo. Mas o relatório não confidencial da Autoridade da
Concorrência, que também apresentamos, vai mais longe e estende-se por mais de
600 pontos, onde são enumeradas inúmeras reservas à concentração da operação.



VOO COM MENOS DE SEIS HORAS COM LIGAÇÃO EM LISBOA NÃO É A MESMA COISA


 


O relatório estende-se também acerca da diferença entre "voos diretos"
e "voos indiretos". No ponto 49, pode ler-se: "Diga-se que a Comissão Europeia apenas em circunstâncias excepcionais
tem admitido a possibilidade de, em rotas de curta distância, os voos
indirectos poderem ser considerados como substituíveis dos voos directos. Ou seja,
tal verifica-se apenas nos casos em que, devido ao número de frequências dos
voos em causa, apenas o voo indirecto (embora mais demorado) permite a ida e a
volta no mesmo dia. Neste cenário, a comparação entre um voo directo menos demorado
e um voo indirecto que permite uma viagem de ida e de volta no mesmo dia, poderá
dar origem a um conjunto de passageiros marginais que os consideram como
produtos substituíveis".


 


Contudo, em 2016, sete anos após a TAP ter adquirido a
Portugália ao Grupo BES por 140 milhões de euros, através de uma
empresa/veículo especialmente criada para o efeito, denominada Gertiserv, SA, a
Portugália desaparece, ou pelo menos desaparece da operação Porto - Lisboa, e
os seus aviões são alegadamente vendidos, passando as suas "slots" entre  as duas cidades a serem usadas pela companhia
de charters White, mas cujos aviões têm origem na brasileira Azul, em regime de
locação.


Em outubro de 2015, a Autoridade da Concorrência aprovou a
privatização da TAP, considerando que "nenhuma
das partes adquirentes tem atividade nas rotas aéreas que a TAP opera, nem
existe o risco de eliminação de concorrência potencial sobre a TAP nas rotas
para o Brasil", lê-se no curto comunicado então emitido.


Mas, no relatório público desta entidade (anexo),
volta a colocar-se a questão dos voos diretos e indiretos. No seu ponto 74 vai-se
mais longe do que no de 2006, afirmando-se que "a Comissão Europeia apenas em circunstâncias excecionais tem admitido a
possibilidade de, em rotas de curta distância (duração inferior a 6 horas), os
voos indiretos poderem ser considerados como substituíveis dos voos diretos.".
Mas não há qualquer referência à ponte aérea Porto - Lisboa ou à transmissão
dos direitos sobre as "slots" para um operador privado e acerca do enorme
aumento de voos entre as duas cidades, para mais do dobro.


A Autoridade da Concorrência não analisou, pois, as
alterações anunciadas em janeiro por Fernando Pinto e que Rui Moreira contesta, que estarão em vigor em 27 de março e que
podem representar uma distorção objetiva e completa ao mercado de aviação civil em Portugal, com uma enorme
concentração de operação num só operador que, anteriormente, nem sequer tinha qualquer
voo regular no mercado doméstico: a White.


Aliás, em todo o relatório nunca é feita qualquer
referência à operação da White, à passagem para esta companhia dos direitos sobre
as "slots" ou do impacto de uma "ponte aérea" com 16 voos diretos, possivelmente porque tal não foi comunicado à Autoridade da Concorrência.

ESTADO NÃO MANDA NA WHITE QUE FARÁ "PONTE AÉREA" PORTO-LISBOA


É que o desaparecimento da Portugália e sua substituição
pela TAP Express não foi, pois, uma mera operação de marketing ou de mudança de
naming, mas a verdadeira transmissão
para uma terceira parte, de uma fatia considerável da operação aérea comercial em
Portugal, nomeadamente, 16 voos diários entre o Porto e Lisboa. Toda esta
operação, que antes estava na esfera pública e passou agora a ser operada por
privados, não está, por isso, incluída no controlo do Estado, nem sequer a 50%,
se a reversão parcial da privatização for concretizada, como anunciou o
Governo. Foi, por assim dizer, uma espécie de subconcessão, mas cujas regras e
contornos não foram públicos e que não foi controlada ou autorizada pela Autoridade da Concorrência.


De facto, segundo o acordo estabelecido pelo Governo de
António Costa com o consórcio de Neeleman, o Estado apenas ficará detentor de
50% da TAP e das suas subsidiárias, mas não tem qualquer ação ou administrador
na White, pelo que não poderá exercer sobre estas qualquer poder, já que é 100%
privada. Enquanto isso, a Portugália, que em 2009 a empresa pública TAP
adquiriu ao Grupo BES por 140 milhões de euros, foi aniquilada num anúncio feito
a 14 de janeiro de 2016, embora formalmente ainda exista. E a White, operará
usando a marca da companhia de bandeira portuguesa TAP, sem que integre o
grupo. Um valor público, agora recomprado a 50%, que será usado por privados,
mesmo que em regime de prestação de serviços, em condições que não se conhecem,
à companhia de bandeira portuguesa.


 


Esta investigação de que hoje publicamos parte, explicando
os reais impactos para o Aeroporto do Porto e para a região, continuará nos próximos dias, com a apresentação dos números reais que nunca
foram assumidos pela TAP e que representam um impacto negativo para o Porto muito superior ao que, até agora, se julgava existir. Os números, que o demonstram, não apenas nas quatro rotas totalmente descontinuadas, mas também nas restantes rotas a partir do Porto, serão aqui divulgados, brevemente.




CONTINUA...

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