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"É um pouco estranho quando os quatro maiores partidos dizem que querem regionalizar e isso parece ser impossível..."

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O presidente da Câmara do Porto defende que a vontade da população e do Parlamento é o que verdadeiramente importa para a regionalização avançar e desvaloriza a posição do Presidente da República, que não tem poderes constitucionais para travar o processo. Numa grande entrevista à TSF/DN hoje emitida, Rui Moreira fala sobre vários temas que marcam a atualidade da cidade e do país, como os entraves do Tribunal de Contas à governação do Município, e disse estar convicto de que, passados 20 anos sobre o referendo, a maioria dos portugueses apoia o modelo das regiões.

Rui Moreira defende que "não precisamos de referendo para decidir a regionalização" e que o processo pode avançar na casa da democracia portuguesa. Aliás, "é um pouco estranho quando os quatro maiores partidos dizem que querem regionalizar e isso parece ser impossível...", constatou. Mas, se a decisão do Parlamento seguir o caminho do referendo, deixa o aviso de que não poderá decorrer nos mesmos moldes que o último, em 1998, no qual a proposta foi rejeitada.

"Se nós nos recordarmos do último [referendo], bastaria que uma das regiões não quisesse a regionalização para que ela fracassasse", lembra o autarca. "Nada implica que o [novo] referendo seja feito dessa forma", assinala.

Lembrando uma sondagem recente que dá a vitória ao "sim", caso fosse feito hoje um referendo à regionalização, o autarca reitera, na entrevista conduzida pelos jornalistas Anselmo Crespo e Rui Frias, que é preciso avançar já com o processo e esquecer a descentralização, que foi mal conduzida pela Associação Nacional de Municípios Portugueses e que excluiu o bom trabalho que estava a ser feito pelas Áreas Metropolitanas do Porto e Lisboa (tendo apenas sido aproveitada a ideia dos passes únicos metropolitanos).

O facto de Marcelo Presidente da República ser contra é legítimo, mas não deve ser impeditivo de uma vontade que emana da maioria da população e da maioria dos partidos políticos com representação parlamentar, argumenta Rui Moreira, que também quer ver o Primeiro-Ministro envolvido no processo. "Não me parece que nos poderes do Presidente da República - já li a Constituição atentamente - esteja lá que ele tem a capacidade de inviabilizar a regionalização, se ela for determinada por uma alteração constitucional ou se for determinada por um referendo", aponta.

Para o presidente da Câmara do Porto, apenas a região de Lisboa estará contra, por "razões óbvias". Como analisa, Lisboa e a respetiva região metropolitana "beneficiam de alguma maneira do status quo. Mas o que me parece é que não há nenhuma razão para que uma região possa determinar o futuro de outras regiões", entendendo-se nas suas palavras que advoga que cada região decida que modelo pretende.

Ainda sobre o tema, o autarca avançou que a cidade do Porto vai ser palco, numa data próxima, de um encontro entre autarcas de todo o país que querem a regionalização.

Um problema chamado Tribunal de Contas

Na senda do tema regionalização, há um outro que preocupa Rui Moreira e que está intimamente ligado ao centralismo que reina nas instituições do Estado Central, sendo o Tribunal de Contas (TdC) o caso mais paradigmático. Por diversas vezes e em diversos meios, o presidente da Câmara do Porto tem-se queixado dos entraves criados por aquele tribunal à execução de projetos-âncora para a cidade, como é o caso da reconversão do antigo Matadouro Industrial, fundamental para alavancar o desenvolvimento da zona oriental do Porto.

Esta máquina do Estado, admite, desafia, não raras vezes, o próprio Governo. "Nós estamos numa fase em que o Governo se vê obrigado a publicar Decretos de Lei para ultrapassar obstáculos criados pelo Tribunal de Contas. E não é apenas por causa do Porto. É por causa do Porto, Lisboa e outros municípios", diz o autarca. 

Exemplos como este, confessa, tratam-se de "uma obstrução indevida e não democrática" à governância dos autarcas, incluindo a sua. Por isso, congratula-se com a atenção que Marcelo Rebelo de Sousa deu recentemente ao tema. "A questão do Matadouro eu espero que agora esteja resolvida, porque o Senhor Presidente da República acaba de promulgar, esta semana que passou, um decreto em que esclarece, até relativamente aos assuntos que estão em Tribunal de Contas, que a Lei das Parcerias Público-Privadas não se aplica às autarquias. E o Tribunal de Contas tem de se conformar com esse Decreto de Lei", revela Rui Moreira.

É urgente a Administração Interna reforçar o policiamento

A conversa, com duração aproximada de uma hora, aborda também outros assuntos como o da segurança. O presidente da Câmara do Porto acusa o Estado Central de, nos últimos anos, ter desinvestido no contingente da Polícia de Segurança Pública (PSP) e apresenta números que atestam essa realidade.

"Nós hoje estamos com o mesmo número de agentes, no Porto, que tínhamos no ano de 1948. E as cidades mudaram e as necessidades mudaram. Mas o número é mais impressionante se nós pensarmos que em poucos anos perdemos 12% dos agentes. E esta situação ainda se vai complicar porque nos anos da Troika Portugal não formou agentes da polícia. E agora voltou a formar, mas está a formar 600 por ano, quando todos os anos vão para a reforma entre 1.200 a 1.500", demonstra.

Sobre o facto de o sentimento de segurança ter diminuído nos últimos tempos - mas o Porto "continua uma cidade segura" - o presidente da Câmara relaciona esse fenómeno com o consumo de droga na via pública, quando este periga o bem-estar da população, em particular das crianças. E lamenta que, nestas situações, a PSP não possa agir, por impeditivo legal. Da parte da Câmara, Rui Moreira diz que a PSP pode utilizar as câmaras do trânsito para a videovigilância.

"O que nós hoje temos uma parafernália de situações à porta das escolas, em que até são atiradas para dentro das escolas seringas. E são espetadas em árvores (...) Nós todos entendemos e percebemos hoje que é bom que os toxicodependentes sejam atualmente vistos como doentes e não como criminosos. Sou o primeiro a estar de acordo com isso. Sendo verdade que eles têm direitos, também é verdade que a população mais desfavorecida - como são claramente as crianças - também têm os seus direitos e também têm de ser protegidos. E não parece que uma coisa e outra sejam antagónicas", afirma Rui Moreira, adiantando que tem recebido cartas de munícipes a dizer-se tentados a fazer justiça pelas próprias mãos, "tomando a lei a seu cargo".

Quanto às salas de consumo assistido, o autarca diz ainda estar à espera de uma resposta da Ministra da Saúde, reiterando que o Município já disponibilizou 400 mil euros, mas que mais não pode fazer, porque a montagem das salas, móveis ou amovíveis, e o recrutamento dos profissionais compete ao Ministério.

A entrevista atravessa ainda temas da vida política nacional e outros que têm marcado a agenda da cidade, como a requalificação do antigo Pavilhão dos Desportos Rosa Mota, hoje Super Bock Arena - Pavilhão Rosa Mota e o negócio que a IP - Infraestruturas de Portugal, organismo do Estado, fez com o El Corte Inglés, relativo a um terreno junto à Rotunda da Boavista.Rui Moreira não acredita que o Governo consiga reverte-lo para a autarquia. "Não acredito nisso porque eu já não acredito no Pai Natal há já alguns anos. Mas como ainda há quem acredite no Pai Natal, não me vão pedir a mim para dizer que o Pai Natal não pode vir no Natal".

Ouça a entrevista na íntegra AQUI.