Habitação

Programa 1.º Direito quer levar as ilhas a bom Porto

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Indo ao encontro da Câmara do Porto, o Governo quer ser parte integrante na resolução do problema da reabilitação das ilhas da cidade. Esta manhã, na abertura da sessão pública "Arquipélago", a secretária de Estado da Habitação, Ana Pinho, vincou essa vontade e explicou as fórmulas de financiamento previstas no programa 1.º Direito, recentemente lançado. O debate prosseguiu ainda esta tarde com o envolvimento de todas as forças políticas presentes na Assembleia Municipal.

A habitação é um direito consagrado na Constituição e, por essa razão, compete ao Estado zelar pelo seu cumprimento. Ciente desta responsabilidade - já assinalada no discurso do presidente da Câmara do Porto  na sessão de abertura do debate sobre as ilhas - a secretária de Estado da Habitação, na sua intervenção, ressalvou "que este é o momento de agir" e de aplicar novas públicas de habitação, que não se circunscrevam à clássica habitação social, porque há outras franjas da população com identificadas carências a este nível, designadamente a classe média, que procuram outro tipo de apoio e respostas.

Fazendo menção ao levantamento efetuado pelo Município do Porto, em 2015, que identificou mais de 10.000 cidadãos a viver em ilhas na cidade, muitas delas em condições que "não são as mais adequadas nem as mais expectáveis", Ana Pinho apresentou aquela que considera ser a solução adequada para resolver a reabilitação destes complexos habitacionais típicos.

Trata-se do programa 1.º Direito, um instrumento financeiro que, admite, é complexo, e por esse motivo está a ser alvo de várias sessões de esclarecimento um pouco por todo o país. Este mecanismo, embora ainda não possa ser aplicado, porque o diploma foi publicado há apenas um mês, vai carecer sempre do envolvimento das autarquias para sinalizar as ilhas habilitadas a usufruir deste incentivo financeiro.

Em concreto, o programa é direcionado aos proprietários, a quem é disponibilizado financiamento a fundo perdido para a reabilitação do edificado, que pode ascender até 50% do custo total das intervenções. "Garantir condições de segurança, conforto e salubridade" são, por isso, requisitos obrigatórios. Esse financiamento pode ainda ter um acréscimo de 10% "se incluírem soluções de sustentabilidade ambiental e de acessibilidades", esclareceu Ana Pinho. Para além disto, "terão acesso a um empréstimo bonificado para parte da despesa que não é comparticipada".

A governante deixou também claro que os municípios podem ser "parceiros" dos proprietários nesta equação, frisando, novamente, que os privados não podem recorrer ao financiamento se não forem identificados pelas autarquias no processo. A meta do Governo é que em 2024, ano em que se comemorará os 50 anos da Revolução de Abril, sejam "erradicadas todas as situações de maior carência habitacional que existem no país".

Defendendo que esta é "uma obrigação de todos nós, em especial dos decisores políticos ao nível central e local", e admitindo que a concretização do 1.º Direito depende "da adesão e do empenho de todos aqueles a quem cabe a sua promoção", a secretária de Estado da Habitação concluiu a sua intervenção dirigindo-se a Rui Moreira: "Senhor Presidente, já não precisa de um instrumento; já o tem".

Diálogo franco e aberto com o Governo permitiu ajudou a traçar o programa 1.º Direito

O vereador da Habitação e da Coesão Social, Fernando Paulo, sublinhou que, nos últimos meses, "a Câmara do Porto tem trabalhado em parceria com a Secretaria de Estado da Habitação, no diagnóstico e também nos instrumentos financeiros e legais que podem ser aplicados" para a requalificação das ilhas do Porto. E, nessa medida, saudou Ana Pinho pela "promoção de um diálogo aberto, franco e leal, com saber, competência e dedicação". 

Atualmente, identificou o vereador, a habitação exige novas políticas públicas. Um desafio para o qual o Município "está fortemente empenhado" e que convoca a participação de distintas áreas de atuação. Mas também deixou a convicção de que "o Estado deve participar na promoção da habitação, mas não só na vertente social".

Olhando à realidade do Porto, o Município tem 49 bairros sociais, correspondentes a cerca de 13.000 fogos, onde vivem 30.000 pessoas, o que faz dele proprietário de cerca de 12% do edificado da cidade, bem acima da média nacional das outras autarquias, que ronda os 2%.

O trabalho a este nível envolve um investimento considerável na reabilitação profunda e também na manutenção corrente, algo que há quase uma década é suportado integralmente pela Câmara do Porto. Mas, sublinhou Fernando Paulo, a vontade de "aprofundar a responsabilidade social" também está presente, justificada pelo desenvolvimento de programas como o Porto Importa-se.

No discurso do responsável pelo Pelouro da Habitação e da Coesão Social também foram elencadas mais medidas que estão a ser aplicadas pelo Município, nomeadamente ao nível da reabilitação de casas do património, que estão a permitir o regresso ao Centro Histórico de inúmeras famílias. São 17 edifícios, 57 fogos, que podem servir cerca de 170 pessoas, "num investimento camarário que ronda os cinco milhões de euros".

A propósito do levantamento que o Município já realizou para o programa 1.º Direito, foram identificadas 2093 famílias que vivem com carências habitacionais graves, sendo que dentro deste universo 61% vivem em ilhas.

"O 1.º Direito resulta muito do diagnóstico que fizemos a esta realidade. Temos vindo a trabalhar intensamente com o Governo. Legalmente a Câmara não pode intervir em propriedade privada, mas com o 1.º Direito está criado um instrumento que permite acesso a financiamento, ainda que os privados não possam recorrer diretamente", cita a Lusa declarações do vereador, que acrescenta que "neste processo a Câmara tem um papel fundamental".

A sessão "Arquipélago" foi antecedida no dia de ontem por uma visita dos intervenientes a cinco ilhas da cidade conduzida por Fernando Paulo, vereador com o Pelouro da Habitação e Coesão Social. O roteiro incluiu a passagem por três ilhas municipais - Belavista, Bonjardim e Cortes - e por duas privadas, num universo de 957 ilhas cadastradas em todo o território.

Debate entre forças políticas

Ouvir a visão de todas as forças políticas representadas na Assembleia Municipal também foi objetivo desta abrangente sessão pública. Moderado pelo presidente deste órgão autárquico, Miguel Pereira Leite, o debate contribuiu para dar voz a diferentes pontos de vista, mas dele também emanou uma ideia comum: é urgente a reabilitação das ilhas do Porto, porque da resolução deste problema há também a convicção de que se resolve boa parte dos problemas habitacionais da cidade.

Bebiana Cunha, deputada eleita pelo PAN, defendeu que "o Porto deve ser exemplo da renovação do paradigma da habitação" no país, isto porque mais "do que arranjar habitação condigna, é essencial ouvir as pessoas e apoiá-las". Considerou que seria importante o Município investir na aquisição de mais ilhas, mostrou-se apreensiva quanto aos resultados do diagnóstico que apontam necessária a demolição de cerca de 70 ilhas e destacou como bons exemplos a ser seguidos a reabilitação da ilha da Bela Vista e o bairro Rainha D. Leonor (que resultou de uma parceria público-privada).

Da parte do BE, a deputada Susana Constante Pereira elogiou a iniciativa, mas disse não concordar com a afirmação de que só recentemente é que as forças políticas "olharam" para o problema das ilhas e, a propósito, assinalou diferentes ações que o seu partido tem desenvolvido. Mostrou-se preocupada com a repercussão do crescimento do alojamento local nas ilhas e com a especulação imobiliária. E, considerando que o 1.º Direito prevê financiamento até 50%, "num exercício de matemática simples a Câmara tem de investir cerca de 16 milhões de euros".

Artur Ribeiro, deputado comunista, também afirmou que a reabilitação das ilhas do Porto é algo que está sinalizado pela CDU há muito tempo. Compreendendo que os privados "só investem se tiverem retorno do seu investimento", disse ser fundamental o apoio do Estado para que esta questão se resolva. "Esta é uma incumbência do Estado, as autarquias têm muito com que se preocupar", defendeu. E disse ainda esperar que, rapidamente, o 1.º Direito possa ser operacionalizado.

Por seu turno, Mariana Macedo, deputada do PSD, sublinhou que para além da reabilitação das ilhas, é essencial assegurar "a dignidade humana", não permitindo que se perpetue que cidadãos do século XXI vivam sem condições de habitabilidade. Alertou também que a resposta ao problema pode ser intergeracional, permitindo a criação de laços "entre novos e velhos". Disse que a sua força política quer "fazer parte da solução e não ser bloqueio" e elogiou a intervenção camarária na ilha da Bela Vista. "É preciso fazer escala deste bom exemplo", concluiu.

Do Partido Socialista, Cláudia Costa Santos quis ressalvar o interesse urbanístico das ilhas, como resposta à falta de habitação na cidade. Na sua opinião, as mesmas devem resistir "à pressão turística". Nessa medida, defendeu que as "que tenham como destino a reabilitação sejam primeiro destinadas aos moradores atuais". Para a deputada da Assembleia Municipal, a Câmara do Porto deve ser pivot de um programa de reabilitação que também envolva os privados.

Do movimento independente Rui Moreira: Porto, o Nosso Partido, Rui Loza considerou que foi habitual, durante muito tempo, "olhar para as ilhas como um problema, mas agora devemos olhá-las como um recurso, porque a cidade não se pode dar ao luxo de o negligenciar". Por isso, é fundamental o Estado intervir na sua reabilitação até porque, observa, "a maior parte dos proprietários é gente que também não tem os meios para investir". E disse que o modelo a seguir pode bem beber de um outro que já provou o seu mérito: o CRUARB - Comissariado para a Renovação Urbana da Área de Ribeira/Barredo.