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Presidentes de câmara europeus defendem "pensar global, agir local" em matérias como turismo, habitação e coesão social

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Nas agendas dos presidentes de câmara europeus que hoje participaram no "Mayors debate", um dos pontos altos do Cities Forum 2020, que se realizou no Porto, entre esta quinta e sexta-feira, há três temas fortes: turismo, habitação e coesão social. A subida do preço das casas, o equilíbrio na atividade turística e a procura de uma sociedade inclusiva através da cultura são questões transversais a autarcas do norte e do sul da Europa, mas as soluções, essas, devem ser pensadas à escala de cada cidade, defendem. 

O diagnóstico aproxima-os, a troca de ideias é profícua, mas as "receitas", dizia a vice-presidente de Madrid, Begoña Villacís, não têm de ser necessariamente prescritas do mesmo modo para todas as cidades.

Num aspeto todos os participantes do painel concordaram. "Estamos lidar com a escassez de recursos", sublinhou o autarca do Porto. Mas como "as cidades sempre foram territórios de conflito", devido à proliferação de atividades e à mobilidade que não cessa e até cresce, os desafios colocam-se a toda a hora, continuou Rui Moreira, que apontou como dificuldade "políticas insuficientes ou poder insuficiente por parte das cidades".

Esta pressão "está a causar impacto na habitação, mas também nos negócios e nas atividades tradicionais", alertou. E se o crescimento das economias locais se deve, em grande parte, ao turismo, não podem os governantes permitir que suceda às custas da "estratificação da habitação", sugeriu o autarca, merecendo os acenos dos colegas de painel.

O Porto, frisou, sempre se distinguiu pelo seu caráter interclassista e assim quer continuar, mesmo que "a informalidade" do turismo dificulte a tarefa (para mitigar o problema, o Município do Porto tem vindo a aplicar, desde 2016, o exercício do direito de preferência, através da compra de imóveis no Centro Histórico para manutenção dos contratos de arrendamento existentes).

Numa sessão de líderes europeus, naturalmente foi também assinalada com tristeza a saída do Reino Unido da União Europeia, notícia que marca o dia e que, de certo modo, abala a Europa multicultural de Begoña Villacís, eleita em Madrid pelo partido Ciudadanos. A vice-presidente da capital espanhola, que visitou horas mais tarde a Câmara do Porto a convite de Rui Moreira, considerou ser crucial haver um debate mais alargado a nível europeu "sobre a crise do acesso à habitação nas cidades".

Para a governante, é preciso políticas que aliviem o peso da habitação nos rendimentos das famílias, que estimulem os jovens a viver na cidade, que promovam o arrendamento, considerando que a mobilidade no emprego é hoje bem maior. "É preciso ouvir, debater, trocar ideias, mas depois temos de pensar em políticas locais", sublinhou Begoña Villacís que, ao contrário do presidente da Câmara de Roterdão, Ahmed Aboutaleb, que deu como bom exemplo o facto de Amesterdão ter limitado a venda de casas a quem vá efetivamente viver nelas, disse que a ideia não funcionaria em Madrid.

Aliás, em linha com a opinião de Rui Moreira, que defendeu a "densificação das cidades" no caminho para uma maior inclusão, a vice-presidente da Câmara de Madrid partilhou o "erro" que, nos anos 80 do século passado, a sua cidade cometeu ao proibir a construção nova. Logo nessa época, o custo da habitação em Madrid disparou, recorda.

Já Pilar Díaz, presidente de Câmara de Esplugues de Llobregat, cidade próxima a Barcelona, entende que é preciso criar mecanismos para que "os melhores locais para visitar sejam os melhores para viver". A também membro do Conselho da Região de Barcelona acredita que as cidades com maior apetência turística devem "repensar políticas".

Completando o trio de participantes da vizinha Espanha, o presidente da Câmara de Sevilha, que de resto também se encontrou com Rui Moreira na Câmara do Porto e, inclusive, convidou-o para trocar ideias sobre o futuro das cidades, apresentou um trabalho pioneiro que está a levar a cabo em parceria com ONGs. Em zonas mais carenciadas de Sevilha, município e terceiro setor apoiam as famílias no pagamento da fatura energética, esforço a que se junta o investimento em energias mais verdes e na sensibilização para a adoção de comportamentos mais sustentáveis.

Por seu turno, o representante político da cidade finlandesa de Oulu, Kyösti Oikarinen, à semelhança de Rui Moreira, disse que nas suas políticas tem procurado priorizar o "mix social", convicto de que a coesão social promove não só o "sentimento de pertença como maiores oportunidades" a quem vive na cidade. Estando Oulu em processo de "urbanização" porque é uma cidade eminentemente académica, que procura agora captar população mais permanente, o responsável brincou com aquilo que são os desejos irrealistas dos finlandeses: "querem uma casa na cidade, rodeada de natureza e junto ao mar". Opinião partilhada pela sua conterrânea Heli Leinonkoski, autarca da cidade de Jyväskylä.

Da Holanda, o presidente da Câmara de Roterdão trouxe para a mesa de debate o impressionante número de habitação social do Estado de Singapura: 80%. O autarca propôs que o conceito associado a "habitação social" deva, com este exemplo, abandonar definitivamente a ideia de que se circunscreve às classes mais baixas. Ahmed Aboutaleb, de origem marroquina, referiu ainda que o futuro das cidades passa por também envolver os emigrantes que nelas decidem viver. Dirigindo-se à comissária europeia Elisa Ferreira, pediu mais apoios a esse nível para as cidades, respeitando aquilo que é a sua diversidade.

Rui Moreira, como anfitrião do encontro, fechou o debate e assinalou que "não se deve diabolizar o mercado" e que há soluções conjuntas que podem ser seguidas para combater a falta de habitação nas cidades. Na sua opinião, seria importante atuar mais sobre a descida da matéria-prima e dos custos de construção. Também identificou o cohousing (habitação partilhada, fundamentalmente dirigida à população idosa) como uma nova forma de abordar o futuro urbano sustentável, sublinhou a aposta na cultura para o fomento da coesão social e informou que o Porto é a cidade portuguesa com mais habitação social, cerca de 13% comparado com uma média de 2% a nível nacional.