Urbanismo

Nova geração de políticas de habitação deve incluir descentralização e soluções para a classe média

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Responder aos desafios da habitação social, mas também criar soluções neste domínio para a classe média, é a preocupação da Câmara do Porto, esta manhã reiterada pelo presidente da autarquia. Em sessão de apresentação e abertura ao debate do programa do Governo para a Habitação, Rui Moreira reforçou ser esta a oportunidade de criação de um novo paradigma para um setor "abandonado" na última década pelo Poder Central e que pede maior autonomia local. 

O autarca elogiou o processo participativo adotado pelo Governo - no que se enquadra a sessão pública "Para uma Nova Geração de Políticas de Habitação", hoje realizada na Biblioteca Municipal Almeida Garrett com o ministro do Ambiente - e acentuou que, nesta área, é fundamental não voltar a cometer o erro "de criar Estado dentro do Estado". Isto porque "em lugar de unir esforços, descentralizar decisões e deixar que seja o poder local a melhor aplicar os instrumentos que o Estado central lhe dá, temos assistido à criação de regras e regulamentos que impõem ao país real medidas iguais para o que é diferente".

Rui Moreira lembrou que ao longo da última década o Estado "foi abandonando a sua política de habitação social, deixando praticamente sem investimento e apoio" os seus inquilinos e as autarquias "que estavam (e estão) a fazer avultados investimentos nos bairros sociais municipais". De apoios que "rondavam os 50% do investimento nesta área, as autarquias passaram a dispor de zero, o que é inaceitável". Fruto deste desinvestimento, no Porto "há bairros pertencentes ao IHRU que se degradam e não conhecem reabilitação, paredes meias com a habitação municipal que se vai renovando e reabilitando, mantendo rendas mais baixas".

Perante esta realidade, "incompreensível para os cidadãos", é "muito saudável que possamos hoje debater uma nova geração de políticas de habitação, viradas para a promoção do arrendamento a custos controlados nas grandes cidades". Mas é também "imperativo" que o Estado não ignore as suas "inequívocas responsabilidades constitucionais em matéria de habitação social" - vincou o presidente.

Uma estratégia transversal

Na sessão ficou refletida a realidade do Porto, com Rui Moreira a lembrar que, num mandato orientado pela Sustentabilidade, o apoio à Habitação é assumido "nas suas várias dimensões, que não apenas na forma social". Atuando de modo transversal, o Município deseja também "provocar o mercado exatamente onde ele tem falhado: na disponibilização de habitação para a classe média".

Sustentou, no entanto, que esta intervenção no mercado do arrendamento para a classe média "não deve ser apenas municipal. Precisa de um quadro legal amigo da autonomia local, que lhe dê capacidade de intervir ao nível dos incentivos fiscais necessários e na edificabilidade".

Considerou ainda não bastar a reabilitação urbana (a que o Governo, via resolução do Conselho de Ministros, atribui "um enorme peso no processo de disponibilização de habitação nas cidades no futuro próximo"), defendendo igualmente a nova construção.

"Não consideramos que uma política pública de habitação deva excluir a promoção de nova construção. Se queremos intervir no mercado e estimular os privados a participarem num processo em que o preço não exclui a classe média, é fundamental considerar a alteração de alguns paradigmas, nomeadamente, o da densificação e o da nova construção" - sustentou.

Rui Moreira deixou ainda mais algumas sugestões: que se olhe "com algum cuidado" para a forma como o Governo propõe a segmentação dos regimes de rendas que pretende instituir (renda apoiada, condicionada, acessível, para jovens, etc.), sendo que "quanto mais complexos e segmentados são os regimes, menores são as possibilidades de sucesso"; e a necessidade "imperiosa" de uma divisão clara entre "o que é intervenção pública na habitação social e o que é a intervenção no mercado de renda controlada. Se os rendimentos são o fator a levar sempre ou quase sempre em conta, então estamos apenas a falar de habitação social e não numa verdadeira intervenção no mercado do arrendamento".

Com estes alertas, quis deixar claro que "o investimento no mercado da habitação social deve ser continuado", mas "não deve ser confundido com aquilo que é preciso fazer a montante e jusante para permitir a uma família não desprotegida socialmente de aceder a uma habitação. Apoiar todos ou a maior parte em função de rendimentos é, do meu ponto de vista, um erro, pois inibirá uma verdadeira política capaz de induzir o repovoamento das cidades de uma forma natural e sustentada".

Salvaguardando que a proposta do Governo "é ainda muito incipiente na fórmula de operacionalização financeira e de contratualização das políticas públicas que pretende implementar", Rui Moreira disse esperar que os conceitos de "renda apoiada", "renda condicionada", "renda acessível" e "renda de mercado" sejam "bem definidos e explicados, nomeadamente quanto ao eventual apoio público envolvido. E é imperativo que se perceba de quem é responsabilidade desse investimento público e se ele provém do Orçamento do Estado ou sai dos orçamentos municipais".

Por último, sublinhou que "a criação de instrumentos adequados por parte do Governo é fundamental e muito bem-vinda", mas "só serão realmente úteis se servirem para flexibilizar a atuação municipal".

Com esta exposição, a Câmara do Porto pretendeu contribuir para um debate que se traduza na criação de "novos e valiosos instrumentos" capazes de "melhorar o acesso à habitação por parte da classe média".

Na sua intervenção, o ministro do Ambiente, Matos Fernandes, admitiu ser "fundamental que as políticas nacionais tenham uma expressão local e capacidade e flexibilidade para se adequaram aos problemas específicos, quer das famílias quer dos territórios".

Reconhecendo que o Estado já não pode focar-se apenas na habitação social, o governante frisou a necessidade de instrumentos que "permitam e incentivem a conceção e a concretização de respostas locais em estreita colaboração com as autarquias e outras entidades".

Nesta sessão, a apresentação da "nova geração de políticas de habitação" do Governo ficou a cargo de Ana Pinho, secretária de Estado da Habitação, que reservou uma segunda parte para a recolha de contributos do público presente.