Mobilidade

Plano da TAP reduz voos a 4% do que era em 2019. Câmara do Porto diz que comunicado da companhia prova "visão colonialista" e "exclusivamente turística" que a TAP tem sobre o norte

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Miguel Nogueira

Em julho de 2019, a TAP operava a partir do Porto 297 voos semanais, 183 dos quais para a Europa, 12 intercontinentais e 102 entre o Porto e Lisboa. Estes voos correspondiam a 13 rotas para aeroportos europeus (incluindo Funchal e Ponta Delgada), três para Brasil e Estados Unidos e ainda a ponte aérea para a capital. No plano que foi anunciado pela TAP para julho, das 13 rotas sobrariam apenas 3, mas mesmo essas com uma brutal redução de frequência semanal, de 183 para apenas 7. A operação para fora da Europa passaria a ser zero e a ponte aérea, ainda assim a que resistiria mais, seria reduzida a menos de um quarto.

Esta redução significa que a TAP deixaria de ter a capacidade de transportar cerca de 25 mil passageiros por semana para a Europa a partir do Porto, para passar a transportar cerca de mil. Ou seja, a TAP, uma companhia aérea de bandeira e que voa com as cores nacionais e em que o Estado português é o principal acionista com 50% do capital, passaria a operar no Porto, apenas 4% para a Europa, relativamente a 2019. Para fora da Europa, a operação passaria a ser zero.

É certo que a TAP anunciou, entretanto, que, afinal, vai rever o seu plano de voos de retoma, mas não se conhecem as alterações que pretende introduzir.

O comunicado anteontem emitido pela companhia em nada sossegou os operadores económicos e a Câmara do Porto, também porque a companhia indicia ter sobre a cidade e a região servida pelo Aeroporto Francisco Sá Carneiro, uma visão colonial e quase exclusivamente turística, quando afirma que irá reunir somente com as entidades de turismo regionais. Independentemente da importância que o setor do turismo tem para a cidade do Porto e para a região norte, há setores empresariais que dependem das boas e frequentes ligações aéreas a cidades estratégicas do ponto de vista do desenvolvimento económico e da atração de investimento.

Destinos como Londres, Paris, Amesterdão, Genebra ou Milão são absolutamente estratégicos, não apenas para garantir a mobilidade dos portugueses que trabalham nessas cidades e residem na zona Norte do país, mas também para garantir que setores como os do calçado, têxtil ou da inovação continuam saber que a companhia aérea de bandeira, financiada também em parte pelo Estado, lhes assegura ligações eficazes, rápidas e independentes das vontades do mercado.

A visão meramente turística da TAP na relação com o aeroporto do Porto é por isso a prova de que a companhia apenas tinha aumentado a sua operação no Francisco Sá Carneiro nos últimos anos por razões meramente oportunistas e não por vontade estratégica ou por querer assumir um papel de verdadeira companhia aérea de bandeira, capaz de assegurar ligações estratégicas para o equilíbrio económico nacional e a mobilidade de todos os portugueses, nomeadamente, da Diáspora.

A falsa ideia que, após a pandemia, os voos a partir do Aeroporto do Porto deixarão de ter procura não é sustentada, nem pela retoma quase imediata que as restantes companhias aéreas estrangeiras estão já a consolidar, anunciando voos para praticamente os mesmos destinos que anteriormente operavam, como não é consistente com a existência de um hinterland que representa mais de 5 milhões de cidadãos do Norte e Centro do país e boa parte da Galiza. Mas, admitindo que a TAP apenas está interessada em corresponder à procura que lhe interessa por razões que só o seu conselho de administração pode avaliar, está, de facto, a comportar-se como um agente privado da economia. Sendo isto legítimo, já não é aceitável que invoque interesse público e procure, assim, a subsidiação por parte do Estado português para uma operação que tem de ser sustentável e que diz ser rentável a partir de Lisboa. Qualquer tentativa de subverter este argumento só pode ser de facto apelidada de provinciana.

O desprezo da TAP pelo aeroporto do Porto, o principal terminal aeroportuário do Noroeste Peninsular, onde está instalada a principal capacidade exportadora do país e onde a mobilidade é fundamental para sustentar negócios relacionados com novas tecnologias e inovação que, de forma exponencial, nos últimos anos o Porto soube desenvolver, não é aceitável. Não nos esqueçamos que o Porto se tornou já na primeira cidade em Portugal na criação de startups e tem sido capaz de atrair investimentos como os da Euronext, Critical Software, BMW, Natixis, Vestas e tantos outros.

Sendo semi-pública, querendo continuar ou mais precisamente voltar a ser companhia de bandeira e/ou querendo ser, mais uma vez, apoiada com fundos públicos, à TAP exige-se que retome a operação, pelo menos, na mesma medida e proporção que operava anteriormente e que o faça comunicando de forma clara, distinguindo "voos" de "rotas" em cada um dos aeroportos e deixando de sistematicamente contabilizar a "ponte aérea" para Lisboa como sendo ligações ou frequências que interessem ao Porto e ao Norte, quando tal apenas serve para encaminhar passageiros para um aeroporto que já não é capaz de processá-los.

Finalmente, o Município do Porto não pode deixar, sobre este último aspeto, de lembrar que até do ponto de vista ambiental, a obsessão da TAP em obrigar os passageiros servidos pelo Aeroporto Francisco Sá Carneiro a viajar por Lisboa, representa um desastre para o país. Em lugar de uma rotação, que apenas representaria emissões uma vez em território nacional, o mesmo passageiro é obrigado a fazer três descolagens, numa ligação de ida e volta a uma cidade europeia, o que acaba a prejudicar ambientalmente o país e em especial Lisboa.