Cultura

Leila Slimani fala da sua "imaginação romanesca"

  • Dulce Pereira Abrantes

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Leila Slimani está presente na Feira do Livro do Porto para falar sobre "os territórios mais sombrios da alma humana", numa entrevista conduzida por Helena Vasconcelos, a decorrer no auditório da Biblioteca Municipal Almeida Garrett.

A escritora franco-marroquina cresceu no seio de uma família da burguesia marroquina, em Rabat, onde havia também uma ama que muito embora não tenha sido a inspiração pessoal da escritora no romance "Chanson Douce" (Canção Doce, Alfaguara), serviu como ponto de reflexão sobre estas questões da vida doméstica, da sua infância, da relação da própria com a ama, e da ama com a sua mãe.

"Todas estas questões têm um lado romanesco que foram importantes aquando da escrita do romance", afirma Leila Slimani.

Questionada sobre se quando escreveu o romance, o fez como se estivesse a escrever um guião de um filme, Slimani concede que "talvez um pouco", mas não de forma intencional. Acrescenta também que o mesmo possa ter ocorrido aquando da escrita do seu livro "Le Jardin du Ogre" (No jardim do ogre, Alfaguara), pois "escrevo observando as personagens, descrevendo o que fazem. É uma escrita bastante visual, o que me interessa e o que eu aprecio é que o leitor veja as coisas, que veja as ações das personagens. Não se trata tanto da psicologia, mas daquilo que fazem, a forma como as nossas ações nos definem".

Sobre o seu romance "Canção Doce", a escritora afirma que seria incapaz de definir o seu trabalho. "Penso que a pessoa mais bem colocada para definir o meu trabalho será o leitor, uma vez terminado, o romance já não me pertence. No dia em que o entrego ao meu editor, já não é só meu, pertence a todos os que o leem".

Quanto ao tema que o livro aborda, do medo primário de todos os pais, que é o de perder um filho, Leila Slimani diz que este medo é partilhado do mesmo modo pelo pai e pela mãe, "embora as mães o possam exprimir de forma mais declarada, mas os homens também o sentem, da mesma forma".

O livro trata da diretiva clássica do mestre e do escravo, e por vezes da reviravolta das situações, em que aquele que é o escravo por vezes se torna o mestre e o contrário também.

"E isso representa uma ambiguidade porque aquele que tem o poder não o tem para sempre, daí a tensão na relação entre o bem e o mal", acrescenta a autora.

Para caracterizar a sociedade marroquina utiliza o termo hipocrisia, seja do discurso duplo, seja de uma linguagem dualista, de se ter uma espécie de vida dupla: "trata-se de hipocrisia social".

Os pais de Slimani pertenceram a uma geração muito especial, que cresceu durante a colonização e estudou na Escola francesa. Leila afirma que tanto ela como as suas irmãs foram criadas em Marrocos mas não foram educadas segundo a cultura desse país, foram educadas de forma bastante voltada para o Ocidente, tendo mais tarde estudado em França.

"Era muito estranho, mas fomos mais educadas dentro de uma cultura ocidental do que dentro de uma tradição marroquina".

Assume-se como feminista e luta pelo direito das mulheres, onde quer que seja. Em relação à condição das mulheres em Marrocos, afirma que "as mulheres não têm uma posição fácil, não têm a mesma liberdade que os homens, mesmo atualmente, com as alterações da Constituição do país. É muito difícil ser uma mulher em Marrocos", conclui.

O Livro "Sexe et Mensonges" é um livro no qual a escritora entrevista várias mulheres na sua terra natal, em Marrocos, e no qual analisa os desafios impostos pela sociedade árabe na vida privada das mulheres.

Para Leila Slimani, a tarefa de mudar o status quo da sociedade marroquina é uma tarefa de todos: escritores, jornalistas, professores e das próprias mulheres em casa, não educando rapazes e raparigas de forma diferenciada, sendo que esta é uma revolução cultural, e "este tipo de revolução leva o seu tempo", reitera a autora.

Leila afirma ainda que as mulheres em Marrocos são muito combativas e anseiam que as suas filhas vivam numa sociedade mais justa, mais igualitária, menos violenta. "Tenho confiança na mulher marroquina pois estou convencida que elas lutarão por isso", afirma Leila Slimani.

A escritora partilha o sentimento que a acompanha de "não pertencer a nenhuma cultura em especial", não que isso signifique que seja "aculturada" ou que não tenha "uma cultura sua", mas sente-se mais como pertencendo "à espécie humana, ao mundo".

"Sinto-me estrangeira em todo o lado e em nenhum lado, simultaneamente. É curioso. Posso viajar para a China ou para o Brasil ou mesmo para os Estados Unidos, e sinto-me como se estivesse em casa ou noutro lugar."

Slimani não se sente ligada a raízes, a uma região, pois tem a impressão que poderia viver "onde quer que fosse".

Em 2017, Leila Slimani aceitou o convite do Presidente francês, Emanuel Macron, para desempenhar um papel diplomático, o de representante da Francofonia e da França no âmbito de uma organização internacional, cujo objetivo é promover a língua francesa tanto nos países ditos francófonos como noutros países.