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Histórias da cidade: a obra inicial do cinema português foi filmada no Porto

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Aurélio da Paz dos Reis, Auto-retrato (1909)

A cidade do Porto foi palco de inúmeros acontecimentos históricos, num pioneirismo que também se estende às artes: o primeiro filme da história do cinema português foi filmado na Invicta.

Dura aproximadamente um minuto, é um filme mudo, a preto e branco, e inaugurou o cinema feito em Portugal. A obra "Saída do Pessoal Operário da Fábrica Confiança", de Aurélio da Paz dos Reis, foi filmada na Rua de Santa Catarina, em 1896. No filme pode ver-se o momento da saída dos operários da Camisaria Confiança, enquanto na rua vai decorrendo o movimento quotidiano da cidade.

Nascido a 28 de julho de 1862 na cidade do Porto, onde faleceu no dia 19 de setembro de 1931, há 89 anos, Aurélio da Paz dos Reis foi o pioneiro do cinema português. Apaixonado pela fotografia e pelo cinema, este portuense distinguiu-se nestas artes.

"No verão de 1896, [Aurélio da Paz dos Reis] pensou em comprar um cinematógrafo aos irmãos Lumière, e desloca-se a Paris, mas estes não lho venderam, acabando por comprar aos irmãos Werner (juntamente com o seu cunhado Francisco Magalhães Bastos Júnior, comerciante e fundador da Photo Universal), um aparelho cronofotográfico, uma variante do cinematógrafo, com um funcionamento mecânico diferente mas que cumpria o propósito a que se destinava - filmar. Com este equipamento, Aurélio da Paz dos Reis filma a fábrica do amigo, António da Silva Cunha, a Camisaria Confiança, na Rua de Santa Catarina, n.º 181. Este filme é a primeira obra de referência do cinema português", conta o arquivo do Centro Português de Fotografia (CPF).

Aurélio da Paz dos Reis era comerciante e floricultor, tendo fundado a Flora Portuense (no local onde se situa atualmente a Confeitaria Ateneia, na Praça da Liberdade), primeira casa do género no país. Na quinta da sua residência, na Rua Barão de Nova Cintra, n.º 125, criava as suas flores, fazendo exportação de flores e sementes. Segundo o CPF, a sua predileção eram as dálias, nas quais se especializou e criou uma sua, no seu horto, ganhando um prémio com ela.

Apesar da influência de um avô miguelista, Aurélio da Paz dos Reis tornou-se fervoroso democrata, tendo participado no movimento revolucionário de 31 de janeiro de 1891, e acabando por figurar mais tarde entre os principais apoiantes da República, pode ler-se na Infopédia, o serviço online de conteúdos da Porto Editora.

"Através dos seus ideais conseguiu uma progressão rápida nos graus da Maçonaria do Vale do Porto, e aderiu ao Partido Republicano. Esta sua opção política originou dois encarceramentos na Cadeia da Relação", indica o CPF.

"Aurélio tinha cartão de jornalista e a imprensa, mais precisamente a Illustração Portugueza recorria às suas imagens, publicando-as", conta ainda a Infopédia, acrescentando: "Registou todos os acontecimentos de maior projeção do seu tempo, principalmente os ocorridos no Porto. À parte essa sua faceta, pela qual é justamente recordado, desempenhou diversos cargos públicos, como os de vice-secretário e vice-presidente do senado da Câmara Municipal do Porto entre 1914 e 1921".

A sua vida ficou também marcada pelo trágico ano de 1919, em que viu morrer três dos seus quatro filhos: Hilda, Horácio e Homero. "Em 1929, interrompeu as investigações de tipos de flores na Rua do Nova Cintra, pois foi perdendo o entusiasmo. Passados dois anos, Aurélio é vítima de congestão cerebral e faleceu", conclui o arquivo do CPF.

Aurélio da Paz dos Reis deixou-nos uma obra ímpar, não só com o primeiro filme do cinema português, mas também com o seu valiosíssimo espólio, à guarda do Centro Português de Fotografia, que compreende mais de 11.000 documentos fotográficos - imagens que nos transportam para outro tempo.