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Hélder Pacheco defende que o Porto tem no turismo grande oportunidade e deve afastar o saudosismo

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Miguel Nogueira

As vantagens do turismo para uma cidade e as críticas ao romantismo saudosista, a reabilitação do Porto que, nalguns casos, está 50 anos à frente, a vacuidade da Web Summit e o desafio de conciliar a tradição com a modernidade e a inovação foram algumas das tónicas de uma acutilante entrevista que o historiador, professor e cronista Hélder Pacheco concedeu hoje à rádio TSF, a propósito da conferência "O Porto da tradição" que profere ao final da tarde, na Reitoria da Universidade do Porto.

Tendo a identidade portuense como terreno de base para essa conferência, Hélder Pacheco, de 81 anos, evidencia uma análise lúcida do processo de mudanças que a cidade vem conhecendo aos mais diversos níveis: "A cidade do Porto atravessa o período de maior transformação que eu conheci". E recorda ter integrado a Sociedade de Reabilitação Urbana, para admitir que "a reabilitação que nós tínhamos planeado nalguns aspetos para 50 anos, neste momento já está de pé!".

Essa rapidez aconteceu porque "de repente, os investidores perceberam que podiam ganhar dinheiro - e isso é uma atitude inteligente - não construindo moderno (que também se está a fazer), mas reabilitando o antigo". A questão acaba por estar também ligada a afluência turística que o Porto regista e "isso é muito importante porque nós temos de nos deixar de brincadeiras, de romantismos e de saudosismos", adverte Hélder Pacheco, para quem "o passado não resolve os problemas do presente; o presente tem de ser resolvido agora".

O historiador vai mais longe e lembra que "o Porto tinha, há cinco ou seis anos, 20 mil desempregados. Este boom turístico provocou um aumento do emprego e isso é fundamental, porque eu acho que as duas doenças da sociedade atual chamam-se 'solidão' e 'desemprego'. E, portanto, tudo o que seja criar emprego é positivo".

Por outro lado, Hélder Pacheco explicou à TSF que "o turismo é uma grande oportunidade" por duas grandes razões: porque internacionaliza a cidade e porque é um motor de desenvolvimento. A título de exemplo referiu ruas comerciais como a de Mouzinho da Silveira que "era uma rua absolutamente moribunda e, neste momento, está impante. Foi toda reabilitada e está cheia de comércio".

Não obstante, e se alguns setores afirmam publicamente preocupação pela alegada perda da chamada "alma da cidade", Hélder Pacheco - cujas investigações de décadas têm dado relevo não só ao património, mas também à essência do Porto - reconhece que "recuperar a alma de uma cidade é o mais difícil". Salienta mesmo que "esse é o grande desafio que o Porto tem. Aliás, é o grande desafio que o país tem: como conciliar a tradição com a modernidade e a inovação".

Contudo, e a propósito, afirma que "a Web Summit não me diz rigorosamente nada. Porque o país que fez a Web Summit e investe 10 milhões de euros na continuidade dela, ardeu. Ora eu pergunto: a tecnologia devia servir também para evitar que o país ardesse, não é?". Ou seja, "a tradição não foi bem conciliada com a inovação que é a tecnologia". 

Admitindo que "corremos algum risco [de perder a identidade] se formos estúpidos", o historiador defende, porém, que "podemos inventar novas tradições", ao mesmo tempo que aproveitamos as existentes para atrair pessoas à cidade. Isto porque algumas "são únicas no mundo", como a Festa de São Bartolomeu que, sendo "a mais pagã das festas da cidade", recebeu no ano passado a bênção do então Bispo do Porto, D. António, porque o próprio - citado por Hélder Pacheco - considerava que "devemos ter sobre estas coisas uma atitude inteligente".

Da mesma forma, a festa de São Nicolau (padroeiro das crianças) foi recuperada recentemente pelo abade da freguesia ("a mais antiga e a mais patrimonial da cidade"), por ser "a única onde a festa de São Nicolau se faz vindo ele de barco rabelo e recebido pelas crianças na Ribeira. Ora, isto podem ser incentivos para atrair as pessoas. E, deste género, há muitas mais coisas", exemplifica.

Hélder Pacheco, ele próprio património do Porto, cronista de décadas no Jornal de Notícias e Grande Oficial da Ordem do Mérito, é perentório: "A cidade está cada vez melhor, porque uma cidade em ruínas e uma cidade decrépita como o Porto estava não me agrada nada". Tal como para muitos, "é para mim um prazer percorrer muito a cidade e ver muita gente e ouvir muitas línguas, que é um sinal de que, de facto, nós estamos abertos. Porque a defesa da tradição e a defesa da História não significam nós fecharmo-nos como se fôssemos uma aldeia do Astérix".