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Histórias da cidade: em 1928 o Porto deu o exemplo e proibiu os pés descalços

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A proibição de circular de pés descalços na Invicta surgiu da preocupação em defender a saúde pública e foi decretada a 20 de maio de 1928. Dias depois de o governador civil do Porto proibir o pé descalço na cidade, o governador de Lisboa tomou a mesma decisão para a capital.

Foi uma medida pioneira, do ponto de vista da promoção da saúde pública e da proteção da população contra acidentes, e partiu do Porto. A proibição do pé descalço foi decretada pelo governador civil, na sequência de uma campanha lançada pela Liga Portuguesa de Profilaxia Social (LPPS) contra este "indecoroso, inestético e anti-higiénico hábito".

O Arquivo Distrital do Porto recuperou alguns materiais dessa campanha, como é exemplo uma publicação onde a LPPS apresenta argumentos contra a circulação de pés descalços. A entidade começava por salientar que "o calçado constitui um dos atributos da civilização atual e dá a medida do respeito que o cidadão tem por si e pelos outros", por oposição ao pé descalço, que "pousa sobre os escarros, os excrementos e em toda a espécie de imundícies lançadas para a rua".

Tendo em conta que em 1928 uma parte da população não tinha grandes recursos económicos, a LPPS acrescentava que o investimento em calçado permitiria evitar outras despesas futuras. "A despesa que fizerdes com o calçado representará sempre uma verdadeira economia e muitas vezes poupar-vos-á a irreparáveis perdas".

"Pensai no caso, frequente de resto, de um humilde chefe de família, que se feriu num pé com um vidro, uma pedra, uma tacha, ou de qualquer outra forma, e que por tal motivo contraiu uma infeção de que resultou a sua morte. Avaliai como ficará vivendo aquela família, cujo único sustentáculo desapareceu graças à imprevidência, que resulta de um péssimo hábito", podia ler-se na publicação da LPPS.

Outro exemplo era o que poderia acontecer a uma criança que viesse a ferir-se num pé. "Admiti mesmo um mal menor: feriu-se um dos filhos que em consequência do acidente tem de sujeitar-se à amputação de uma perna. Depois de tratado num hospital, onde o seu internamento prejudicou a assistência de um outro doente, depois de ter consumido uma verba importante que poderia visar outro fim, uma vez com alta, dada a falta de institutos de mutilados, não irá este filho, incapacitado para o trabalho, sobrecarregar o pai durante toda a vida?", questionava.

A publicação da LPPS dava ainda alguns dados sobre a dimensão dos problemas causados por esta prática: "12% dos curativos feitos no banco do Hospital de Santo António resultam do mau hábito do pé descalço. No ano findo foram socorridas na Cruz Vermelha desta cidade 600 pessoas com ferimentos resultantes do pernicioso hábito do pé descalço. Entre catorze casos mortais de tétano ultimamente registados, sete (metade!) foram devidos a ferimentos nos pés".

"Quem insistirá ainda em andar descalço? Quem quererá assim caminhar conscientemente para a miséria, sua e da família?", terminava a LPPS, que teve nesta uma das suas mais longas campanhas. Tendo decorrido entre 1927 e 1965, o seu principal objetivo consistiu no combate a doenças adquiridas, especialmente do tétano, pela não utilização de calçado na vida quotidiana.