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Comissão de Inquérito conclui que há relação entre obra na Arrábida e o acordo do Parque da Cidade

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O relatório final da Comissão Eventual de Inquérito concluiu que o ex-presidente da Câmara do Porto "não poderia deixar de conhecer a relação" entre o processo urbanístico em curso na Arrábida e o acordo do Município para o Parque da Cidade, estabelecido em 2009. "Custa dizê-lo, mas Rui Rio cometeu um crime político ao esconder à cidade que decidiu sacrificar a Arrábida", para aliviar as indemnizações a pagar no Parque da Cidade, afirmou o deputado Rui Sá, da CDU, na Assembleia extraordinária desta quinta-feira. 

Os cerca de 52 milhões de euros de indemnizações pagos pelo Município nos acordos do Parque da Cidade, em 2009, escondem, para o deputado comunista Rui Sá, uma verdade: o entendimento entre autarquia e promotores privados pressupôs, em contrapartida, o "sacrifício da Arrábida", sucedendo-se a permissão da edificação naquela frente da marginal, autorizada no último mandato de Rui Rio enquanto presidente da Câmara do Porto.

Mas antes mesmo de chegar a esta conclusão - que para a Comissão fica evidente na correspondência trocada entre serviços municipais nos pareceres jurídicos solicitados à altura - Rui Sá começou por dizer que "só estamos aqui hoje por causa de atos praticados pelo Eng. Nuno Cardoso [ex-presidente da Câmara do Porto, eleito pelo PS]: atos relacionados com a Arrábida e atos relacionados com o Parque da Cidade". Como analisou, na véspera de deixar o Município, no início de 2002, "decidiu aprovar Pedidos de Informação Prévia (PIP) no Parque da Cidade e decidiu não inviabilizar o PIP na Arrábida", mesmo considerando que "tinha motivos para não o fazer".

"Se estes dois atos não tivessem sido tomados, nada disto tinha acontecido", declarou.

Prosseguindo a análise cronológica do processo, o deputado da CDU recordou que "mais tarde, o vereador Ricardo Figueiredo inviabilizou aquele PIP [da Arrábida]". Anos depois, constata, há um volte-face. "É sabido que a partir de 2008 a Câmara do Porto alterou radicalmente a posição que tinha assumido em 2002. Uma Câmara que era presidida pelo mesmo presidente".

E indaga-se por que alterou o Município esta posição. Do que a Comissão apurou, a verdade é que essa mudança se deve a "uma relação entre este processo [da Arrábida] e o do Parque da Cidade".

Para Rui Sá, "é evidente que o Dr. Rui Rio não tem a sua assinatura em nenhum processo, é evidente que Dr. Rui Rio não tem a sua impressão digital em nenhum papel, mas é evidente que o Dr. Rui Rio só podia saber". Além disso, "se o Dr. Rui Rio disse ter sido ele a conduzir o processo no Parque da Cidade, se o seu chefe de gabinete diz que foi na Presidência da Câmara que foi conduzido o processo, e se concluímos - por emails e afirmações - que o processo da Arrábida está relacionado com o Parque da Cidade, então não me venham dizer que o responsável pela negociação do Parque da Cidade não sabia daquilo que se passou". Para o deputado "ninguém duvida que aquilo só podia ter sido feito com o beneplácito do Dr. Rui Rio".

Continuando, Rui Sá entende que a atitude do ex-autarca até poderia ser legítima se tivesse dito aos portuenses: "tenho de pagar muito dinheiro pelo Parque da Cidade, acho que o erário público não deve pagar tanto dinheiro, sacrifico a Arrábida e deixo construir na Arrábida". Mas, lamentou, Rui Rio nada disse. Na sua opinião, porque não teve coragem política de o assumir, considerando que "este processo dos acordos é aprovado em julho de 2009 e havia eleições logo a seguir. Eleições essas em que o Dr. Rui Rio se apresentou ao eleitorado dizendo que era um grande negociador, que tinha conseguido poupar ao erário público muitos milhões".

De acordo com a avaliação do deputado da CDU, não restam dúvidas de que este "é o crime político do Dr. Rui Rio". Além de que, para Rui Sá, há uma questão que está subjacente ao relatório: aquilo que o ex-autarca "levou à Câmara e à Assembleia Municipal para aprovar e remeteu para o Tribunal de Contas, não tinha esta componente da Arrábida". E concluiu que no acordo escondeu-se parte dessa informação.

"Os diversos pareceres convergem todos na legalidade dos atos"

André Noronha, do grupo parlamentar independente Rui Moreira: Porto, o Nosso Partido, assinalou que não pretendia discutir o relatório "com quem nele não quis participar", aludindo ao facto de PSD, PS e BE terem decidido sair da Comissão perto do seu final.

Recordando que aquele organismo não tinha como finalidade "esgrimir argumentos jurídicos", porque não era objeto dos trabalhos da Comissão "debitar sentenças e declarar ilegalidades", lamentou, contudo, que tivesse havido da parte de um dos seus membros "um erro procedimental" grave, ao ter divulgado na Comunicação Social um relatório que nem tinha sido discutido, procurando assim impor as conclusões nele versadas.

Para o deputado do grupo independente, a verdade é que a Comissão concluiu que "os diversos pareceres, ao longo de vários anos, convergem todos na legalidade dos atos".

Do PAN, a deputada Bebiana Cunha assinalou o "esforço da Comissão no cumprimento do desígnio para a qual a Assembleia Municipal a mandatou. Isto apesar da saída de três grupos municipais que, no nosso entendimento, não quiseram contribuir para as conclusões conjuntas optando por não discutir com os outros grupos, aquilo que seriam as conclusões finais desta Comissão". Nessa medida, lamentou o facto do acordo de confidencialidade ter sido quebrado.

Num processo que classificou de "labiríntico", a deputada destacou que houve "escolhas da administração pública" que foram tomadas. Neste sentido, as decisões do Município poderiam ter sido diferentes, embora não se tenham apurado ilegalidades. Todavia, considerou, há "responsabilidade política", sobretudo quando não houve transparência na ligação deste processo aos acordos do Parque da Cidade.

O deputado municipal do PS Pedro Braga de Carvalho, que tinha sido escolhido para relator e que, mais tarde, acabou por abandonar a Comissão, confirmou "que não verificou a prática de nenhum crime", embora tenha admitido que o projeto urbanístico em análise vai contra as regras do Plano Diretor Municipal, além de faltar o parecer da APDL (Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo).

Pelo grupo parlamentar do PSD, a deputada Mariana Macedo recordou que a sua força política pretendia "alargar temporal e territorialmente" os trabalhos da Comissão, da qual acabaria por sair mais tarde por considerar que foram feitos "juízos de valor ao Dr. Rui Rio".

Do BE, o deputado Pedro Lourenço, disse que a obra da Arcada "não poderia ter avançado sem o parecer da APDL" e que é necessário avaliar a dominialidade dos terrenos, que podem ser públicos. Nessa medida, ao contrário do que conclui o relatório da Comissão, que entretanto abandonou, defendeu a suspensão da empreitada.

Comissão de Inquérito foi aprovada sem votos contra por proposta do grupo independente

Foi em outubro que o grupo parlamentar Rui Moreira: Porto, o Nosso Partido propôs à Assembleia Municipal a criação de uma comissão eventual para avaliar a legalidade e oportunidade da atuação dos órgãos e dos serviços municipais no âmbito do processo administrativo que conduziu ao licenciamento e execução do projeto urbanístico atualmente em curso junto à escarpa da Arrábida - comummente conhecido como projeto da Arcada. A mesma comissão tinha como missão apurar a eventual relação entre estes licenciamentos e os acordos judiciais e extrajudiciais celebrados em 2008 e 2009 no âmbito do Parque da Cidade e aprovados pela Assembleia Municipal;

A proposta apresentada recebeu o voto favorável de todas as forças políticas (45 votos a favor e uma abstenção), não havendo registo votos contra.

Na reta final da sessão extraordinária, Rui Moreira indicou que o Município irá "cumprir escrupulosamente a lei". Como explicou, "não contem comigo para parar construções que outros poderiam não ter autorizado, mas que agora, legalmente, estão autorizadas. Mas contem comigo para parar este dominó de compensações que sai caro - muito caro - às facturas dos portuenses".