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Autarcas de todo o país dizem ao "Porto." o que pensam da transferência de competências

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Os presidentes de Câmara de Famalicão, Caminha, Oeiras partilharam com o "Porto." aquilo que pensam sobre o processo de descentralização. Do "verdadeiro logro", à "forma apressada" como foi feito e à "tarefização" de competências que impõe aos municípios, todos concordam que há aspetos a corrigir e a trabalhar. Uns com mais veemência que outros.

Paulo Cunha, presidente da Câmara de Famalicão mantém, um ano depois, que este processo de descentralização é um "verdadeiro logro" e diz mesmo que "infelizmente são cada vez mais os autarcas e os cidadãos", mas também instituições e empresas, a ter essa perceção.

À margem da conferência do JN, que reúne hoje no Rivoli autarcas de todo o país para debater "Os Caminhos da Descentralização", realizada em parceria com a Câmara do Porto, o autarca social-democrata não crê que o processo se endireite. Antes pelo contrário, classifica-o de "inconsequente" e considera que "se alguma coisa vai acontecer é para agravar o processo [de descentralização] e para criar menos condições e perda de autonomia ao poder local".

Na sua perspetiva, esta transferência de competências ocorre porque o Estado Central não tem demonstrado capacidade de encontrar soluções e ao endossar este tipo de competências para os municípios, "está a enjeitar as responsabilidades que tem em relação às mesmas". Tal como o Porto, também Famalicão rejeitou toda e qualquer transferência de competências. Para a posição poder vir a ser outra, Paulo Cunha garante que "é preciso promover o diálogo entre o Estado, o governo e os municípios".

Quanto à imposição da Lei-Quadro da Descentralização, que prevê que em janeiro de 2021 todas as câmaras do país têm obrigatoriamente de aceitar as competências, o presidente eleito pelo PSD diz esperar "que impere o bom senso" e que se avance rapidamente para "uma suspensão automática deste processo legislativo", para que possa ser repensado e para que se promova "uma consensualização de base local, trabalhosa mas necessária". Além disso, o processo pode ser concomitante com a regionalização, remata.

Miguel Alves, presidente da Câmara de Caminha, concorda com o par de Famalicão e defende que "este prazo pode ser muito curto para uma assunção plena e obrigatória das autarquias", embora admita que se têm de estabelecer prazos para que o processo efetivamente avance. Depois, há também a questão da articulação entre o governo e as câmaras municipais, que deve ser trabalhada, tendo em conta as especificidades de cada território e a sua dimensão, continua.

"Acho que este prazo de obrigatoriedade não vai ser cumprido totalmente. Admito que o governo não o queira dizer desde já, porque vai com isso criar uma expectativa diferente que faz com que as coisas mudem", analisa Miguel Alves. Para o autarca socialista, uma mudança desta envergadura "é sempre atribulada", tanto mais quando foi feita "de forma apressada". No entanto, aponta que "estamos a focar-nos em demasia nos aspetos negativos desta reforma" e a desvalorizar os positivos.

A Câmara Municipal de Caminha aceitou a maior parte dos 15 diplomas da descentralização e Miguel Alves não esconde os problemas, "próprios de qualquer início". De todo o modo, diz que as coisas estão a correr bem, embora ainda não seja possível ver resultados. "Ainda não é possível ver o que muda com a nossa atuação comparativamente à centralidade". Uma coisa é certa: "dá mais trabalho" e em Caminha há um vereador praticamente a tempo inteiro dedicado a estas questões.

Já Isaltino Morais, presidente da Câmara de Oeiras, pinta o quadro mais negro. "O processo de descentralização surge como uma imposição do Estado Central aos municípios", sem respeito pela autonomia local e pelas especificidades de cada município. "Somos tarefeiros", declara. Dando o exemplo de Oeiras, que integra no grupo das câmaras municipais que têm maior capacidade financeira, o autarca diz que tornou-se prática comum entre os municípios com maior folga orçamental substituírem-se ao Estado e resolverem problemas que seriam da sua responsabilidade, como a construção de escolas ou de centros de saúde.

O presidente da Câmara contesta a forma como o processo foi conduzido pela Associação Nacional dos Portugueses (ANMP), juntando-se a Rui Moreira nas críticas que o autarca do Porto já vem deixando desde 2018, na altura em que a ANMP fechou um acordo com o governo relativo ao pacote da descentralização. Quanto à regionalização, refere que "o processo está inquinado, porque há uma reserva mental de certas elites". Quais? "As elites centradas particularmente na Área Metropolitana de Lisboa", responde Isaltino Morais.

"É preciso cumprir a Constituição e criar regiões administrativas"

Antes, no final da sessão de trabalhos desta manhã, o deputado da CDU da Assembleia Municipal do Porto, Artur Ribeiro, disse que "tudo se resume à falta de dinheiro" e apelou à união dos autarcas. "Não há transferência [de competências] que se faça se os autarcas se unirem".

Para o comunista, "as câmaras municipais são uma fonte inesgotável de trabalho" e já se substituem ao Estado em muitas matérias, dando o exemplo do Porto, nos investimentos aplicados em habitação social e na aquisição de viaturas para a PSP.

Mais do que descentralização, Artur Ribeiro quer a regionalização, único modelo verdadeiramente capaz de resolver as assimetrias. "A criação das regiões administrativas está prevista na Constituição da República Portuguesa. É preciso avançar já", declarou.

Luísa Salgueiro, presidente da Câmara de Matosinhos, preferiu focar-se no processo de descentralização, para dizer que os autarcas se devem unir para mostrar ao governo que é impossível que os municípios recebam todas as competências daqui a um ano. "É um calendário muito apertado", concluiu.