A vida e a obra de Leonor de Almeida evocadas em dois volumes para conhecer a poeta portuense
Notícia
Resgatar do desconhecimento a obra de Leonor de Almeida é o principal eixo da programação desta edição da Feira do Livro do Porto. A poeta portuense, autora de quatro livros de poemas, editados entre 1947 e 1960, foi homenageada ontem, sábado, com a atribuição de uma tília na também designada Avenida dos Escritores. Ao final da tarde foram apresentados dois livros alusivos à sua obra: um volume que reúne os seus quatro livros da sua obra poética, e um retrato do percurso biográfico da autora.
Numa sessão que decorreu no auditório da Biblioteca Municipal Almeida Garrett, perante uma plateia preenchida, abordou-se a vida e obra de Leonor de Almeida, uma "autora universal", como a definiu Cláudia Clemente, e refletiu-se também sobre as razões para a original poeta portuense ter caído no esquecimento.
Com moderação de Nuno Faria, diretor do Museu da Cidade e coordenador da programação da Feira do Livro, a sessão - à qual assistiu o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira - começou com a leitura de "Poema para o homem de hoje" por Ágata Pinho, atriz que leu ainda outros escritos de Leonor Almeida durante o evento.
A conversa debruçou-se inicialmente sobre "Na Curva Escura dos Cardos do Tempo (poesia reunida)", livro editado pela Ponto de Fuga e que resultou de um "longo processo de encontros e desencontros", admitiu Nuno Faria.
"Foi um prazer literário fazer este livro", confessou o editor Vladimiro Nunes, acrescentando que a obra nasceu de um "impulso de curiosidade". Agradecendo o apoio dado à iniciativa pela Câmara do Porto, o mesmo responsável destacou que "a editora Ponto de Fuga nasceu há cinco ou seis anos, com esse mote de recuperar obras esquecidas. A primeira grande figura em que tropeçámos foi, escandalosamente, Natália Correia. E temos vindo a fazer isso com vários autores, como é o caso de Leonor de Almeida. Tínhamos os ingredientes todos. Leonor de Almeida vale muito a pena ser conhecida", vincou.
A poeta e professora Ana Luísa Amaral, autora do prefácio de "Na Curva Escura dos Cardos do Tempo", encarregou-se da reflexão sobre os motivos para Leonor de Almeida "cair no esquecimento".
"Eu acho que tem muito a ver com o facto de ser mulher", apontou. "A poesia em si não discrimina, mas tudo aquilo que rodeia os poemas discrimina. Temos de pôr em causa a neutralidade da arte. O pensamento patriarcal continua. Continuamos a ter notícias de violência sobre mulheres. Por isso, infelizmente, o que aconteceu com Leonor de Almeida não nos surpreende", lamentou.
"Quatro anos apaixonantes"
Seguiu-se uma abordagem a "Tatuagens de Luz - para uma imagem de Leonor de Almeida", obra editada em parceria pela Documenta e pela Câmara do Porto, na qual Cláudia Clemente evoca a memória da poeta portuense e o processo através do qual reconstruiu a biografia da desconhecida autora.
"Foram quatro anos apaixonantes, mas muito desafiantes. Estive muitas vezes para desistir. Quero agradecer ao presidente da Câmara do Porto, porque foi sua a decisão de desenterrar esta poeta", frisou Cláudia Clemente, notando que Leonor de Almeida foi "uma autora universal".
O fascínio de Cláudia Clemente por Leonor de Almeida começou de forma original, contou a autora: "Havia um quadro surrealista que estava em casa da minha avó e que lhe tinha sido vendido pela sua esteticista, que também era poeta. Um dia a minha mãe sugeriu-me que escrevesse sobre essa senhora, mas nos meus 20 anos não liguei". O quadro, que passou da avó para a mãe, e depois para Cláudia Clemente, esteve sempre presente na sua vida. E foi quando fazia o luto pela sua mãe, uma fase em que deixou de conseguir escrever, que a autora decidiu seguir a sugestão materna.
"Começou a tal busca insana", recordou Cláudia Clemente, narrando como a história de Leonor de Almeida se cruzou com a sua própria história pessoal, e como através de várias peripécias e acasos conseguiu compilar toda a informação reunida no volume "Tatuagens de Luz".
Antes de encerrar a sessão com a leitura do poema "Elegia", Cláudia Clemente ainda deixou uma nota sobre a consciência política de Leonor de Almeida: "Na Torre do Tombo não encontrei dossier da PIDE sobre Leonor de Almeida. Mas ela, que foi enfermeira, visitadora sanitária, com 20 e tal anos escreveu ao presidente do conselho a reclamar porque tinha salários em atraso e era mal paga". Foi um espírito livre e irreverente, como o Porto que a viu nascer.
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